Aconteceu ontem, aqui mesmo, na nossa cidade. O
Velho Antero, de 95 anos, foi retirado de sua casa e internado em um asilo como
quem se livra de um móvel antigo. Sem aviso, sem processo, sem respeito. Morava
com a sobrinha caçula, Dona Filomena, que, mesmo enfrentando as sequelas de um
câncer de mama e vivendo de dietas restritivas, cuidava do tio com dignidade e
afeto.
A casa era simples, mas cheia de história. Lá
também vivia o irmão mais velho, acometido por um câncer de estômago. Era uma
família lutando junta, como tantas outras. Até que, misteriosamente, uma
assistente social apareceu e, num estalar de dedos, decidiu que Filomena não
podia mais cuidar do tio. Antero foi levado no mesmo dia. Sem tempo para
despedidas, sem chance de defesa.
A sobrinha chorou como quem perde um pedaço da
alma. E eu, que conheço todos os envolvidos, não consigo tirar da cabeça que
essa denúncia partiu de alguém muito próximo. Alguém que se faz de amiga, mas
vive às custas dos outros. Alguém que almoça aos domingos, visita na hora do
café, e se oferece como ombro amigo quando há comida envolvida. Sim, estou
falando da Lívia.
Em tempos de escassez, ela é abundante em
oportunismo. E tenho por mim que essa denúncia foi feita com um único objetivo:
fragilizar Filomena, para que ela se torne dependente emocional — e assim, mais
fácil de explorar. Porque Lívia não convive com pessoas, convive com
benefícios. E quando não há mais o que sugar, ela descarta. Como fazemos com o
lixo.
O que fizeram com
Antero foi mais do que uma transferência. Foi um ato de violência
emocional. Tiraram um idoso do seu mundo, dos seus afetos, e o colocaram entre
estranhos. E tudo isso com uma rapidez que não se vê nem quando alguém
realmente precisa de uma vaga em um asilo.
Essa carta é um grito. Um alerta. Um pedido de
consciência. Que não deixemos que o cuidado seja usado como desculpa para a
crueldade. Que não permitamos que os nossos idosos sejam tratados como objetos. E que, acima de
tudo, saibamos reconhecer os parasitas emocionais que se alimentam da dor
alheia.
Assinado:
Alguém que viu, sentiu e não vai se calar.
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