domingo, 5 de outubro de 2025

Carta aberta sobre o Velho Antero e a crueldade disfarçada de cuidado

 


Aconteceu ontem, aqui mesmo, na nossa cidade. O Velho Antero, de 95 anos, foi retirado de sua casa e internado em um asilo como quem se livra de um móvel antigo. Sem aviso, sem processo, sem respeito. Morava com a sobrinha caçula, Dona Filomena, que, mesmo enfrentando as sequelas de um câncer de mama e vivendo de dietas restritivas, cuidava do tio com dignidade e afeto.

A casa era simples, mas cheia de história. Lá também vivia o irmão mais velho, acometido por um câncer de estômago. Era uma família lutando junta, como tantas outras. Até que, misteriosamente, uma assistente social apareceu e, num estalar de dedos, decidiu que Filomena não podia mais cuidar do tio. Antero foi levado no mesmo dia. Sem tempo para despedidas, sem chance de defesa.

A sobrinha chorou como quem perde um pedaço da alma. E eu, que conheço todos os envolvidos, não consigo tirar da cabeça que essa denúncia partiu de alguém muito próximo. Alguém que se faz de amiga, mas vive às custas dos outros. Alguém que almoça aos domingos, visita na hora do café, e se oferece como ombro amigo quando há comida envolvida. Sim, estou falando da Lívia.

Em tempos de escassez, ela é abundante em oportunismo. E tenho por mim que essa denúncia foi feita com um único objetivo: fragilizar Filomena, para que ela se torne dependente emocional — e assim, mais fácil de explorar. Porque Lívia não convive com pessoas, convive com benefícios. E quando não há mais o que sugar, ela descarta. Como fazemos com o lixo.

O que fizeram com  Antero foi mais do que uma transferência. Foi um ato de violência emocional. Tiraram um idoso do seu mundo, dos seus afetos, e o colocaram entre estranhos. E tudo isso com uma rapidez que não se vê nem quando alguém realmente precisa de uma vaga em um asilo.

Essa carta é um grito. Um alerta. Um pedido de consciência. Que não deixemos que o cuidado seja usado como desculpa para a crueldade. Que não permitamos que os nossos idosos  sejam tratados como objetos. E que, acima de tudo, saibamos reconhecer os parasitas emocionais que se alimentam da dor alheia.

Assinado:
Alguém que viu, sentiu e não vai se calar.

 

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