terça-feira, 21 de janeiro de 2020

A queda


          Rosalina estava feliz! Acreditava que, finalmente, encontrara  um parceiro para alegrar a sua velhice. Depois dos 60, nenhuma mulher  com saúde mental em perfeito estado sonha com um grande amor, isto é uma ilusão da juventude, com propriedade, dizem elas. Quando se entra  na idade do “condor” com dor nas costas, nas mãos, no estômago e por aí afora,  elas percebem que o  que realmente importa em um relacionamento é o respeito e companheirismo, já que até a libido costuma veranear em outras pastagens.Com grande expectativa, aceitou o convite do  affair, para passar o uma semana em São Vicente, SP, cidade, cujo lema é: Célula Mater e  que também  convive tranquilamente com os apelidos: A Primeira Vila Brasileira, Cellula-Mater da Nacionalidade e Berço da Democracia  nas Américas. Hospedaram-se em um kitchenette bem pequena e com mobília em péssimo estado, mas nada disto importava,  a companhia é que faz o ambiente suspirava.  Como não conheciam a cidade, traçaram o  roteiro turístico com base em informações de  visitantes e moradores,
          Mercados Municipais costumam ser uma atração peculiar em  várias cidades e logo, o passeio do casal começou por lá, e de imediato, a primeira decepção,  estabelecimento comercial que  em seus dias de gloria fora  o centro do abastecimento local, encontra-se em plena decadência, uma grande perda cultural e comercial. O segundo a local a ser visitado seria a Casa Martim Afonso, a primeira fortificação da cidade e há quem diga que também, do Brasil.  A construção atual preserva uma parede da original; especula-se que teria sido erguida  nos primórdios dos  século XVI, pelo  Bacharel de Cananéia, antes da chegada de Martim Afonso, o local é considerado o marco zero da cidade. A visita a este monumento histórico não aconteceu.
          Enquanto se dirigiam à Casa Martim Afonso, Rosalina avistou a igreja matriz e lá adentrou, enquanto seu companheiro fotografava os arredores; absorvida em  especulações sobre quem eram  as pessoas  sepultadas no interior da igreja,  não percebeu o degrau e caiu. Sem conseguir levantar, gritou pelo  parceiro, e não ouviu resposta, quase a entrar em desespero, ouviu uma voz suave, porém firme, perguntando se precisava de ajuda, virou a cabeça e viu duas mãos estendidas. As mãos amigas, no momento certo,  o seu anjo da guarda em forma humana, ela não o tinha visto antes, e ali estava ele, amparando-a. O passeio terminou no Pronto Socorro, pé imobilizado e orientação de repouso mínimo de quinze dias.
          De volta para o seu lar, Rosalina fica sonhando com os lugares que deveria ter visto em companhia de seu affair, a Biquinha de Anchieta, local onde  o religioso  catequizava os índios, a feirinha do doce, e as self  com a estátua do Ipupiara,  para postar nas redes sociais? Apenas mais um desejo não realizado porque agora em repouso, tem por companhia, apenas a sua fiel companheira:  a solidão.  O seu affair retornou à sua cidade, ao seu trabalho e a vida segue e Rosalinda, se recuperando de uma queda, em um pequeno de degrau que lhe causou tanto transtorno e  sem esperança que ele  volte a visitá-la.

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