Nasci no alto do
Morro, pelas mãos da parteira Dona Zica, uma santa, que acudia as parturientes
da favela em sua hora. Quem já ouviu, na voz da grande Marlene, o samba de
carnaval, Lata d’água, dos compositores
Luiz Antônio de Jota Júnior, consegue
imaginar que a vida daquelas mulheres,
no início do século XX não era fácil, moravam em barracos, sem nenhum
saneamento básico e parindo um filho por ano. A criançada, em meio a tanta miséria,
era feliz porque não conhecia outra forma de viver, algumas privilegiadas, como
eu, quando completavam sete anos de idade, passavam a frequentar a escola, que ficava a uns três quilômetro do
Morro e com a ampliação de meus horizontes de
favelada, começou a minha
infelicidade porque comecei a desejar o que eu
sequer sabia que existia, como comemorações de aniversário e natal. Não
sei a razão pela qual minha família e
vizinhos não frequentavam a igreja, e
assim, ao ouvir as novas colegas falarem do Menino Deus e papai Noel, minha imaginação entrava em ação. Eu era discriminada
pela minha timidez e aparência maltrapilha, pés descalços e nenhuma etiqueta social, apenas ouvia as colegas discorrerem sobre as alegrias das
comemorações natalina e presentes generosos que esperavam receber do bom
velhinho. Uma vez arrisquei a perguntar à minha mãe quem era o papai Noel e o que eu deveria
fazer para ganhar um presente dele, com
desdém, ela respondeu que ele presenteava apenas as crianças ricas, que colocam
os sapatinhos na janela, na noite de natal. Meu barraco não tinha janela, e eu não sabia
qual noite era a de natal e acalentei este sonho durante uns três anos. Quando mudamos
para um barraco melhor, que havia uma janela, eu já contava com uns dez anos de idade, já havia feito uma ou
duas amizades na escola e um fio de
esperança nasceu em meu coração e graças
a estas amizades descobri tudo sobre o natal, do ponto de vistas de meninas,
com um poder aquisitivo bem maior que o meu.
Enfim chegou a tão
esperada noite de natal! Fiquei na cama acordada até ouvir o ressonar dos meus
pais, aí, levantei-me na ponta dos pés,
coloquei minhas sandálias gastas na
janela e entreguei-me aos braços de Morfeu
e não ouvi o cantar do galo anunciando a aurora. Fui
acordada com as gargalhadas de deboche
de meus pais, rindo de minha inocência ao acreditar que o papai Noel fosse
subir o Morro para deixar um brinquedo
para mim e até o último suspiro, eles lembram deste episódio o que deixava-me
profundamente humilhada e crescia o desejo secreto de vivenciar o natal tradicional, como os
ricos: Missa do galo, ceia de natal,
presentes, abraços. Isto não aconteceu enquanto eu residi com os meus pais, mas
como quem nasce na periferia, apenas troca de periferia, fui trabalhar em casa
de família, enquanto todos festejavam,
eu servia-os e depois, recolhia em lágrimas,
à solidão de meu quarto de empregada.
Os anos se passaram, saí do emprego doméstico e fui
para uma empresa de prestação de serviço 24 por dia, 365 dias por ano e
finalmente, eu consegui vivenciar pela primeira vez a tão sonhada experiência
natalina: Amigo secreto, ceia oferecida pelo patrão, abraços e retorno ao
trabalho. Foi lindo! Durante
vinte longos anos, eu fazia questão
de trabalhar na véspera de natal, simplesmente para estar ao lado de alguém porque confraternizar
com estranhos, é melhor que estar sozinha. Com a minha melhora financeira,
finalmente acreditei que enfim, iria comemorar em família esta data, mas não
deu certo, mais uma vez minha boa vontade foi desdenhada. Tentei trazer as amigas para o meu natal, mas esbarrei em
outro obstáculo, já que todas optam por comemorar com os parentes. Em uma medida de desespero, ofereci-me como
voluntária na igreja, para de uma maneira ou outra, ter com quem comemorar e
foi mais uma derrota, minha falta de tato social, fez com que eu fosse
gentilmente convidada a deixar o
voluntariado.
A aposentadoria
chegou e com ela o baixo salário, o círculo
de amizades renovou-se, com pessoas do mesmo poder aquisitivo, porém, com boas
relações familiares e que não desejam mulher avulsa agregada para festejar e o
que já era triste permanece triste já que esta é a sina de quem não pode fazer
um cruzeiro ou qualquer outra viagem
nesta data, menos ainda, comprar o peru para assar para uma ceia solitária.
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