terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Gratidão ao ano de 2019



          Por que sou profundamente grata ao ano de 2019, apesar de todos os atropelos na política e das  sangrentas manchetes de jornais?  Porque  após 50 décadas de angústias, enfim, eu tive um ano sereno. Não quero dizer com isto que foi um ano de dinheiro jorrando  da conta, festas e mais festas, paixões arrebatadoras e amores ardentes. Nada disto! 2019  foi um ano  em que eu descobri a  minha verdadeira essência, quem realmente eu sou, não a pessoa que a minha  mãe queria que eu fosse.  E esta descoberta aconteceu naturalmente. Com uma parca aposentadoria, mudei-me para uma cidade praiana, conheci pessoas humildes e descobri  o  prazer das coisas simples, como caminhar no calçadão ao entardecer,  sentar na areia apreciando o azul do mar e ouvindo o marulhar das ondas. Outra descoberta, na qual aprendi o verdadeiro sentido do viver, foi a  convivência nos grupos de terceira idade. Estar juntos,  sem competição, pautada na solidariedade, permitiu que  a  minha verdadeira identidade, que fora sufocada pela  pressão materna,  induzindo-me  a perseguir uma vida de  glamour, em outras querências, florescesse e posso dizer, com segurança, que teria sido bem mais feliz, se  não tivesse deixado minha terra natal em busca de um sonho, que não era meu. Eu teria sido bem mais feliz, em um bairro periférico, cuidando da casa, dos filhos, marido e tomando  a fresca, nas noites quentes, conversando com os vizinhos, visitando os parentes aos domingos, recebendo-os em casa, participando das festas  tradicionais da cidade,enfim, uma vida normal.
          Mas o que foi a minha vida? Foi uma perseguição árdua de uma verdade que não era minha! Sempre na periferia, sonhando em morar e conviver com pessoas dos bairros nobres, mas a intransponível barreira  do dinheiro, sempre impediu-me de estar, onde  eu imaginava que gostaria de estar. Questiono-me sempre, sobre a minha força de vontade, que não fui capaz de lutar  o suficiente, procrastinei muito, não aperfeiçoei-me em nada, não domino nenhum assunto, gastei tempo e dinheiro em congressos, seminários, palestras  e exposições artísticas, e nunca consegui entender a razão dos eventos, impossibilitada de conversar a respeito por não ter base cultural e discernimento do assunto em questão.Queria apenas parecer chic! Deve ser isto? A infelicidade e a incompetência, também foram minhas companheiras  durante minha vida profissional. Por que afirmo categoricamente o meu fracasso profissional? Durante os 30 anos de trabalho, nunca consegui uma promoção, apesar dos esforços, nunca vi a minha foto no painel do funcionário do mês, nunca  recebi um convite profissional. Vários colegas saíam das empresas, já para outra, a convite. Eu sempre bate à porta do patrão, enfrentei filas, fiz testes, participei de dinâmicas,  e sempre conseguia estar o chão da fábrica. Admito, não fui, não sou e acredito não ser jamais, uma boa profissional. Eu teria sido boa esposa, boa mãe, boa nora, porém, não consegui discernir  o meu eu verdadeiro,  uma pessoa que queria apenas ser amada e  persegui um sonho que não  meu, o sonho do luxo,  status social. Não  consegui realizar nenhum dos dois, vivi décadas de angústias e privações, para finalmente, com a aposentadoria, encontrar a serenidade  em uma vida simples, com apenas um desejo a realizar. Viver um relacionamento sério, pautado no respeito e companheirismo. Obrigada  ao ano do porco!
Rosalina, 31 de dezembro de 2019
         

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