segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Mala e ninho vazio



          Engana – se quem pensa que a síndrome do ninho vazio afeta somente as mães. Outras pessoas, como vizinhas, tia, madrinhas, avós, que formaram laços  afetuosos com uma criança, quando esta  parte em busca de seus ideais, sofrem profundamente, apesar de ter ciência que as mudanças são inerentes à vida e    são divididas em três fases marcantes.
I – O período de  crescimento, quando se assimila o mundo  e vai lentamente se preparando para a maturidade e distribuem carinho generosamente;
II – O tão esperado   período da maturidade,  nesta fase, os  processos biológicos estão  voltados  manutenção, reparo, procriação e o mental para realização profissional, aventuras de descobertas de novos horizontes, aventuras e afirmação pessoal e, desligamento do  ninho familiar;
III – E por fim, o não muito esperado período do declínio biológico e mental. O intercâmbio biológico  torna-se lento em relação às necessidades de renovação  e à morte fica cada dia mais próxima. Concomitante ás perdas  característica desta fase, surgem outras necessidades. O desejo de companhia, de reconhecimento  do tempo dedicado aos familiares e amigos que ainda estão vivos,  e este sentimento é mais forte, naquelas  mulheres que abdicaram da maternidade em prol da carreira profissional, e agora se vêem sozinhas e carentes,  cujo afeto guardado no peito, são destinados, prioritariamente a afilhados e sobrinhos que já passaram da fase de querê-las por perto, agora são arrimos de família, outras responsabilidades e objetivos profissionais.
          As lembranças são dolorosas! As lágrimas secaram e já não  mais é possível aliviar a dor no  coração chorando até cansar. Não há mais ombro amigo para ouvir as suas lamurias, restam-lhes apenas ruminar  os fatos, como Rosalina, que relembra incessantemente o  último dia  que recebeu o afilhado, a quem dedicou grande afeto e dinheiro. Ele chegou com uma mala nova, sem perceber que ela estava vazia; ao ser indagado a razão do objeto, já que suas roupas estavam cuidadosamente lavadas e passadas, na parte do guarda-roupa a ele destinado. Objetos de higiene pessoal,  eletrônicos e sapatos, tudo permaneciam  em suas gavetas, na cômoda. A explicação não convenceu: Alegou  que estava  levando-a para o seu irmão que planeja viajar, a madrinha fez que acreditou na  mentira deslavada, a criança ainda  é menor e não pode viajar  e nem poderá  nos próximos cinco anos. Com tristeza, a madrinha observa outras mudanças:
I – Aparência – adotou um visual destoante com as  tradições de sua de família e terra natal. Roupas pretas, justas e bermudas mais curtas e pouco adepto à higiene pessoal;
II -  Maus modos à mesa. Além de  comer rápido, vorazmente, o fazia em silêncio. Finda as refeições, não se oferecia para  ajudar a tirar a mesa. Alegava cansaço, enjoo, e dormia, ou fingia dormir até a hora da próxima refeição. Nos intervalos destas sonecas e refeições, agarrava-se ao celular como se este fosse a salvação de todos os problemas ambientais do mundo. Mas, se  a madrinha  convidava-o a sair, em passeios  turísticos pela cidade, pagando as despesas  de condução e lanche, tinha  cura súbita e a indisposição retornava, assim que pisava em casa  e, se ela pedia  auxílio em alguma tarefa doméstica ou com os eletrônicos, ele o fazia de má vontade e com descuido, mais atrapalhando do que ajudando.
III – O menino falante e amoroso desapareceu e, em seu lugar, nasceu um rapaz, autoritário, arrogante, falso e quando arriscava falar, era para reclamar e colocar defeito em tudo e todos e apresentar soluções fantasiosas para os problemas alheios, sendo incapaz de resolver os seus.
IV – Para a visita do afilhado amado, Rosalina  gastou o que não podia no mercado, para oferecer-lhe refeições tradicionais e saborosas, e,  cheia de boas intenções, comprou um vinho sem álcool para que juntos, comemorassem o seu primeiro emprego. Para o seu espanto, percebeu o quão ele entendia da bebida e juntando um  comentário ao outro, percebeu que ele já faz uso da bebida, além de desdenhar  o produto nacional. Esforçou-se para que ele não percebesse a sua frustração, ao notar que  ele está se transformando na pessoa que ele, desde a mais tenra idade criticou: o próprio pai, um alcoólatra, autoritário e promíscuo.
V – Rosalina refere-se esta última visita como a convivência do silêncio. Em casa, em transito, em eventos, ele apenas respondia com monossílabas,  não se engajava em um assunto. O rosto expressava um  tédio constante, e, foi com alívio que ela  recebeu a notícia que ele iria partir. Enquanto  lavava a louça, ele fez a mala e partiu. Ao retomar a sua rotina diária, ela teve ciência que aquela  fora a última vez que o receberia em seu lar, porque ele levou  todos os seus pertences, razão pela qual, ele chegou com a  mala vazia e deixo o ninho vazio.

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