Eu sou Caetana, goiana, tenho 70
anos e esta é a história de meus fracassos, consequências de eu ter despendido muito tempo e energia em
ruminar a imensa inveja que sinto de
minha irmã adotiva e de todo o carinho e admiração a ela dispensada por parte de minha genitora, e a mim, filha
legítima, desde a mais tenra idade, além da falta de atenção, críticas
exacerbadas, todo o trabalho pesado da casa, daqueles idos tempos em que a
tecnologia avançada em casa de pobre era o fogão a lenha com
serpentina e que proporcionava um
delicioso banho de chuveiro e quente, e
o melhor, adeus aos banhos em grandes bacias de alumínios, o famoso
banho de canequinha. A minha rotina era
pesada! Eu pulava da cama às seis horas
da manhã e iniciava a lida, enquanto minha irmã ficava na cama até a hora do almoço, sendo que eu era a mais
nova, quem deveria gozar deste privilégio. Após
o jantar, ela recolhia-se aos seus aposentos enquanto eu tinha que
cuidar da louça, alimentar os animais domésticos e às vezes, de tão exausta,
sequer escovava os dentes antes de ir
para a cama. Não sei precisar a data em
que este destrutivo sentimento penetrou em meu coração e fez dele o seu lar
definitivo, apenas que em todas as
minhas lembranças, ele se faz presente.
Eu sempre invejei:
I – O carinho dispensado a ela pelos nossos pais;
II – A sua inteligência;
III – A sua educação;
IV – A sua facilidade
nos estudos, sua capacidade de discernimentos dos texto mais
complexos, sua fluência verbal, o uso
impecável da língua materna;
V - O seu bom gosto musical, literário e para se vestir;
VI – A sua capacidade de concentração na leitura;
VII – A sua facilidade em atrair a atenção dos rapazes;
VIII - A sua
facilidade em fazer amizades fiéis e duradouras;
XIX - A sua
diplomacia;
X – A sua capacidade
estratégica para alcançar os seus objetivos sem muito esforço;
XI - A sua inimitável capacidade de vitimizar – se para
eximir-se de culpa e transferi-la a outrem;
XII – A sua capacidade de fazer-se amada e admirada em coisas pequenas e também, a sua
altivez;
XIII = A sua
facilidade em conseguir bons
trabalhos;
XIV - A sua inacreditável
capacidade de receber ajuda financeira de parentes , sem necessidade de
retorno;
XV - A sua
admirável habilidade em não
ser flagrada infringindo as regras da família e, quando acusada, fazer-se acreditar por todos em suas explicações fictícias.
Consumindo
meus dias com este sentimento
destrutivo, sem entusiasmo nos estudos e
em subempregos, rejubilei-me quando os percalços da vida fizeram com que ela caísse
em desgraça financeira e conjugal, e eu
solícita e amorosa ofereci ajuda econômica, não por generosidade, por amor ao
próximo, mas para que os familiares e amigos percebessem o quão boa eu era ao ampará-la, quanto todos lhe
viraram as coisas, porém, a razão maior que fez com que eu, por dez anos, a sustentasse e também
aos seus filhos é inconfessável:
o prazer de vê-la dependendo justo de
mim, a quem ela dizia que tinha uma inteligência limitada e hoje, com uma
profunda dor e vergonha, admito que
minha irmã adotiva tinha razão. Enquanto eu me regozijava com um plano de vingança pueril, ela
estudava uma estratégia para sair da situação de dependência e conseguiu.
Atualmente, enquanto eu faço empréstimo consignado para um bate e volta na praia, com a inseparável caixa de isopor
com a cerveja e os salgados, ela desfruta da gastronomia portuguesa, em Lisboa. Ela compra
suas roupas na Europa, eu no Brás. Ela vai
às compras de carro em grandes hipermercados, eu vou a feira, puxando carrinho.
Ela mora em uma cobertura, eu em um quarto e cozinha com lavanderia coletiva. Ela freqüenta coquetéis, teatro, exposições, eu os shows promovidos pela prefeitura em espaço aberto gratuitos.
A inveja, um
dos sete pecados capitais é a verdadeira responsável pelas privações de
minha velhice porque dediquei anos de minha vida a observar e desejar o que era
da outra, a planejar vingança, quando
poderia ter utilizado o tempo dedicado à cobiça ao aprimoramento pessoal para
conseguir o que eu realmente desejava: ser amada e admirada pelos meus pais, um trabalho bem remunerado, um
esposo, enfim, um lar feliz e com uma prole numerosa, férias em família e em Las Vegas. Estou colhendo o que plantei.
Não nos falamos, quando precisei de seu apoio financeiro, ela simplesmente
virou-me as costas; não posso culpá-la afinal, quem quer estar ao lado de uma
pessoa com inteligência limitada e invejosa?
Deixe seus comentários caso já tenha vivido situação
semelhante.
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