E o sofrimento continuava. Já no décimo dia, o implante dental ainda doía.
Dificuldades em se alimentar e falar eram constantes, e a segunda-feira de
trabalho se aproximava rapidamente. Ela não podia admitir que havia cometido um
erro, pois havia escolhido o dentista que podia pagar. Saíra pela metade do
preço, é verdade, mas o sofrimento triplicara. Durante um velório familiar,
conhecido ponto de encontro de fofocas, ela descobriu que em todos os implantes
mais baratos, a dor era maior. Ainda teve que ouvir que o seu não estava tão
ruim, já que fulano e sicrano tiveram os rostos tão inchados que mal conseguiam
abrir os olhos.
Seria necessária muita diplomacia para lidar com aquela situação. O dentista
era amigo de seu pai e, com ou sem dinheiro, a atendia em emergências. Mesmo se
quisesse, não podia abandoná-lo, pois emergências futuras poderiam surgir e ela
precisaria dele. Agora, era hora de se estruturar financeiramente para que os
casos mais graves fossem tratados por outros profissionais.
A velhice, pensava ela, é assim: a cada dia, precisa-se fazer manutenção em
alguma parte. Viver, no fim das contas, é uma labuta diária para pôr comida na
mesa e consertar a máquina que é o corpo humano. Ela tinha assistido a filmes
internacionais, que eram lentos, com planos longos, e percebera que em qualquer
parte do mundo as mazelas humanas eram as mesmas. A luta por moradia, a
necessidade de pôr comida na mesa, e os cuidados com a saúde eram universais.
Para ricos e milionários, a luta diária por comida era substituída por crises
existenciais.
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