sexta-feira, 28 de março de 2025

Soterrado

            O mundo desabou num rugido surdo, e o corpo de Antenor foi tragado para o ventre da terra antes que pudesse sequer gritar. O barro se lançou sobre ele como uma fera faminta, empurrando-o para as profundezas da escuridão. O peso esmagador roubava-lhe o fôlego, prensava-lhe o peito, e a única coisa que lhe restava era o pulsar frenético do próprio coração, martelando-lhe os ouvidos. Tentou mexer-se, mas era como se tivesse sido fundido ao solo, um pedaço a mais da terra molhada e disforme.

Lá fora, um grito rasgou o silêncio. Era João, o irmão mais velho, que largou a picareta e pôs-se a escavar com as próprias mãos. A poeira erguia-se em nuvens espessas, misturando-se à lama que escorria dos rostos febris dos que cavavam. Os dedos, feridos e trêmulos, sangravam na ânsia de arrancar Antenor das entranhas do desmoronamento. A cada pá de terra removida, crescia a esperança, mas também o medo de encontrá-lo tarde demais.

Maria, a filha mais moça, soluçava sem cessar. Suas mãos pequenas agarravam-se à saia da mãe, que murmurava orações entrecortadas. A menina tentava enxergar alguma coisa através da cortina de poeira, seus olhos arregalados buscando o menor sinal de que o pai ainda estava ali, de que ainda respirava.

Lá embaixo, os pulmões de Antenor ardiam. A pouca reserva de ar já se esgotava, e ele começava a sentir um torpor crescente, um abandono doce que o chamava para o descanso definitivo. Mas então, como um fio de luz atravessando a noite, ouviu as vozes. João gritava seu nome. Vozes aflitas, persistentes, guerreando contra a morte. Ele quis responder, mas sua boca estava cheia de lama e sangue.

A primeira pá encontrou-lhe a perna. O ferro gelado contra a pele suja foi um choque que o arrancou do torpor. Tentou mover o pé, apenas um sinal de que ainda estava ali. João percebeu. Soltou um brado rouco, misto de alívio e desespero, e redobrou os esforços.

Mais um minuto. Um minuto apenas. O suor misturava-se às lágrimas, os braços vacilavam, mas ninguém parava. A vida de Antenor estava ali, à beira da extinção, e nenhum deles aceitaria a derrota. E então, finalmente, a mão de João encontrou-lhe o rosto. O corpo veio a seguir, arrastado para fora do sepulcro de lama.

O primeiro fôlego foi um golpe, como se o mundo inteiro lhe invadisse os pulmões de uma só vez. A claridade o cegou. Ouvia soluços, exclamações. Mãos o erguiam, seguravam-no, e ele se deu conta de que estava vivo. Desfalecido, permitiu-se ser embalado pelos braços dos seus, entregue ao milagre que haviam operado.

A noite chegaria logo, trazendo consigo o silêncio. Mas, naquela tarde, entre o cheiro de terra molhada e o som de uma respiração retomada, souberam que haviam vencido a morte – ainda que apenas por um dia mais.


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