Nas
sombras de um entardecer opaco, quando a brisa trazia ecos de palavras não
ditas, Sofia sentava-se diante da escrivaninha antiga. O móvel, herdado junto
aos imóveis alugados, parecia carregar em suas fibras a essência de seus pais.
Ela e os irmãos haviam se reunido no mesmo espaço dias antes, lendo o
testamento que não deixava dúvidas sobre o legado material, mas lançava sombras
sobre o que nunca fora dito: o respeito que tanto buscavam.
Dois
meses haviam passado desde o adeus aos progenitores, e os ecos das vozes dos
inquilinos soavam como notas dissonantes em um réquiem. Primeiro veio o
silêncio de um contrato ignorado, o vazio de um aluguel que não chegava.
Depois, dois outros se arrastavam em um ritmo insuportável, com pagamentos que
chegavam tarde, como um suspiro ao fim de uma longa asfixia.
Sofia
contemplava a luz pálida do abajur, onde os insetos dançavam em espirais
insanas. Não era apenas o dinheiro que a corroía, mas a confirmação cruel de
uma suspeita antiga: ela e seus irmãos eram invisíveis, sombras de uma herança
sem raízes. Entre amigos e familiares, o nome da família havia sido grande, mas
sua geração não passava de um eco frágil.
Na mente
de Sofia, os imóveis eram fantasmas, erguidos com suor, lágrimas e talvez um
pouco de arrogância. Os pais, em vida, haviam comandado respeito e admiração,
mas não haviam transferido esse legado imaterial aos filhos. O que significava,
afinal, a propriedade, se ela era apenas uma concha vazia de autoridade?
Na
penumbra do quarto, Sofia fechou os olhos e sentiu uma dor profunda, como se a
própria casa em que estava lhe sussurrasse verdades incômodas. Eles não haviam
herdado o respeito, e as paredes sabiam disso.
Enquanto
a noite se tornava densa, Sofia sentiu que não era apenas o legado que lhes
faltava. Era como se, na luta por serem vistos, eles tivessem deixado escapar a
essência do que os conectava. O respeito não se herda em testamentos; é tecido
em olhares e atos, em palavras ditas no momento certo.
Sofia
olhou para a lua, que surgia como um olho prateado no céu, julgando-a. Naquele
momento, percebeu que o respeito era como a luz da lua: só refletia aquilo que
era capaz de iluminar. E talvez, só talvez, ela e seus irmãos precisassem
encontrar sua própria luz, mesmo que a dor da ausência fosse insuportável.
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