sexta-feira, 20 de setembro de 2024

O Caso do Cão Mais Famoso da Cidade

 


Vivemos em tempos modernos, onde ser oportunista virou quase um talento nato. É a era da litigância de má fé, do enriquecimento ilícito e da busca desenfreada por aquele delicioso "dinheirinho fácil". Então, para evitar complicações jurídicas (para  ninguém querer enriquecer com indenizações ao meu custo), vou contar essa história, omitindo nomes e cidades, mas deixando a ironia correr solta.

A cena se passa em uma dessas cidades onde o aniversário da fundação é o evento mais esperado do ano, com direito àquela exposição agropecuária tradicional. Afinal, nada melhor do que juntar os festejos para atrair mais público e, claro, uma desculpa para estourar os cofres públicos. O ponto alto, como sempre, é a contratação de uma dupla sertaneja famosa — porque, convenhamos, é isso que o povo quer: cantar sofrência e beber pinga. Como de costume, essas duplas vêm da roça, crescidas entre vacas e bois, e carregam consigo aquela simplicidade que é de dar inveja até ao humilde milho plantado no quintal.

No centro desse causo está a dupla fictícia que vou chamar de Berrante & Boiadeiro. Certo dia, Boiadeiro, que como todo bom sertanejo é do tipo que vê a beleza até na poeira da estrada, decidiu sentar num banco de praça, ali em frente ao hotel. O coração mole desse cantor se apaixonou perdidamente... por um cachorro de rua. Sim, desses vira-latas que fazem da praça o seu território, sem amarras, sem dono, com aquela liberdade que nós, meros mortais, só sonhamos em ter.

Eis que, movido por um altruísmo digno de filme de sessão da tarde, o Boiadeiro decidiu: "Vou levar esse bichinho comigo!" Além disso, como se fosse um verdadeiro anjo dos caninos, ele ainda comprou uma dúzia de sacos de ração para alimentar outros cachorros famintos da cidade. O homem queria transformar a vida canina local, quem diria!

Mas, como nesta vida nem tudo são flores e boas ações, e onde há fama, há quem queira um pedaço dela, surge nossa heroína oportunista. Mal soube do gesto nobre do sertanejo, ela, com uma sede imensurável pelos seus quinze minutos de fama, consegue o contato da assessoria da dupla. Num plot digno de novela das nove, ela se apresenta como a verdadeira dona do cão. E o que faz o simples Boiadeiro? Em vez de questionar ou ao menos checar o CPF da senhora, ele, generoso como sempre, pega o cãozinho, coloca-o em seu jato particular e devolve para a tal "dona". Claro, porque nada é mais simples do que despachar um cachorro num jatinho, não é mesmo?

Só que a vida, ah, ela tem um senso de humor peculiar. O desfecho? A senhora oportunista agora tem a responsabilidade perpétua de cuidar do cachorro até o fim dos tempos. E não, o universo não deixou barato. Todas as vezes que o cão, esse ser espiritualmente livre, escapava para sua praça querida, onde já havia conquistado seu espaço, os funcionários do hotel ligavam para ela, lembrando-a que, segundo a própria, ela era a dona do bichinho.

E assim, o castigo veio a cavalo, ou melhor, a cachorro. Enquanto Boiadeiro segue sua vida de fama e palcos, ela terá que correr atrás de um cachorro que nunca foi dela, mas que, ironicamente, ela reivindicou. Porque às vezes, o preço da fama é cuidar de algo que você nunca quis de verdade.

 

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