Vivemos em tempos modernos, onde ser oportunista
virou quase um talento nato. É a era da litigância de má fé, do enriquecimento
ilícito e da busca desenfreada por aquele delicioso "dinheirinho
fácil". Então, para evitar complicações jurídicas (para ninguém querer enriquecer com indenizações ao
meu custo), vou contar essa história, omitindo nomes e cidades, mas deixando a
ironia correr solta.
A cena se passa em uma dessas cidades onde o
aniversário da fundação é o evento mais esperado do ano, com direito àquela
exposição agropecuária tradicional. Afinal, nada melhor do que juntar os
festejos para atrair mais público e, claro, uma desculpa para estourar os
cofres públicos. O ponto alto, como sempre, é a contratação de uma dupla
sertaneja famosa — porque, convenhamos, é isso que o povo quer: cantar
sofrência e beber pinga. Como de costume, essas duplas vêm da roça, crescidas
entre vacas e bois, e carregam consigo aquela simplicidade que é de dar inveja
até ao humilde milho plantado no quintal.
No centro desse causo está a dupla fictícia que vou
chamar de Berrante & Boiadeiro. Certo dia, Boiadeiro, que como todo
bom sertanejo é do tipo que vê a beleza até na poeira da estrada, decidiu
sentar num banco de praça, ali em frente ao hotel. O coração mole desse cantor
se apaixonou perdidamente... por um cachorro de rua. Sim, desses vira-latas que
fazem da praça o seu território, sem amarras, sem dono, com aquela liberdade
que nós, meros mortais, só sonhamos em ter.
Eis que, movido por um altruísmo digno de filme de
sessão da tarde, o Boiadeiro decidiu: "Vou levar esse bichinho
comigo!" Além disso, como se fosse um verdadeiro anjo dos caninos, ele
ainda comprou uma dúzia de sacos de ração para alimentar outros cachorros
famintos da cidade. O homem queria transformar a vida canina local, quem diria!
Mas, como nesta vida nem tudo são flores e boas
ações, e onde há fama, há quem queira um pedaço dela, surge nossa heroína
oportunista. Mal soube do gesto nobre do sertanejo, ela, com uma sede
imensurável pelos seus quinze minutos de fama, consegue o contato da assessoria
da dupla. Num plot digno de novela das nove, ela se apresenta como a verdadeira
dona do cão. E o que faz o simples Boiadeiro? Em vez de questionar ou ao
menos checar o CPF da senhora, ele, generoso como sempre, pega o cãozinho,
coloca-o em seu jato particular e devolve para a tal "dona". Claro,
porque nada é mais simples do que despachar um cachorro num jatinho, não é
mesmo?
Só que a vida, ah, ela tem um senso de humor
peculiar. O desfecho? A senhora oportunista agora tem a responsabilidade
perpétua de cuidar do cachorro até o fim dos tempos. E não, o universo não
deixou barato. Todas as vezes que o cão, esse ser espiritualmente livre,
escapava para sua praça querida, onde já havia conquistado seu espaço, os funcionários
do hotel ligavam para ela, lembrando-a que, segundo a própria, ela era a
dona do bichinho.
E assim, o castigo veio a cavalo, ou melhor, a
cachorro. Enquanto Boiadeiro segue sua vida de fama e palcos, ela terá que
correr atrás de um cachorro que nunca foi dela, mas que, ironicamente, ela
reivindicou. Porque às vezes, o preço da fama é cuidar de algo que você nunca
quis de verdade.
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