Durante
os quinze anos em que a filha caçula esteve à frente dos negócios da família,
tudo parecia correr sob o manto da normalidade. A morte do patriarca, porém,
trouxe à tona os segredos ocultos por debaixo daquela fachada de tranquilidade.
O inventário tornou-se inevitável, e, como de praxe, os problemas explodiram —
mas, claro, não nas mãos da astuta caçula, que, muito perspicaz, evitou assumir
as rédeas desse fardo. Tal responsabilidade caiu sobre os ombros da irmã mais
velha, que, retornando após anos de ausência, desconhecia as irregularidades
que, como ervas daninhas, infestavam os negócios. Ela, que até sua
aposentadoria fora secretária em um escritório conhecido pela pontualidade e
excelência, chocou-se com a desordem.
Logo de
início, deparou-se com a primeira dificuldade: os imóveis urbanos e rurais não
estavam regularizados. Com a diligência de quem se habituara a lidar com
papéis, iniciou o processo pelo georreferenciamento. Encontrar um agrimensor,
contudo, revelou-se um drama digno dos antigos folhetins. Quando finalmente o
contratou, desabaram as temidas águas de verão, impossibilitando os trabalhos,
já que os equipamentos não suportavam a chuva. Com o término das chuvas, o
ajudante, contratado para dar assistência ao agrimensor, foi acometido pela
Covid e veio a falecer. Quando, após luto e novos esforços, outro auxiliar foi
recrutado, o agrimensor, por sua vez, contraiu dengue. Seis meses se passaram,
e, ao fim, o terreno foi medido. Mas a saga estava longe do término: restava
colher as assinaturas dos confrontantes e registrá-las em cartório.
E, como
se não bastassem os percalços do caminho, surgiu uma discrepância nos hectares
que exigia o pagamento de uma taxa à prefeitura. Nossa inventariante, com a
disposição que ainda lhe restava, dirigiu-se à repartição municipal. O
funcionário, com a burocracia em mente e o enfado na voz, informou que a guia
para o pagamento deveria ser retirada no cartório. Ela lá se foi. O atendente
do cartório, como quem joga uma peteca, disse-lhe que tal responsabilidade
cabia ao contador. E ela, exausta, mas ainda obediente à engrenagem do sistema,
procurou o contador, que, por sua vez, não tinha o formulário. Teve de recorrer
a um colega de outro escritório. De posse, enfim, do tão esperado documento,
voltou à prefeitura. Mas o funcionário responsável, com a pontualidade própria
do serviço público, não estava em seu posto. Seu colega recomendou-lhe que
deixasse os papéis e retornasse às catorze horas.
À tarde,
retornou. O funcionário, agora em seu lugar, emitiu o boleto e ordenou que ela
pagasse e retornasse com o comprovante. Ela pagou. Voltou. E, com o documento
em mãos, finalmente viu-se à beira de concluir o labirinto burocrático... mas,
nesse momento, caiu desfalecida. Infartou. Agora, encontra-se internada na UTI,
e o desfecho deste relato, caro leitor, encontra-se nas mãos do destino.
Será que,
ao sair do hospital, ela verá o fim dessa história? Ou será o labirinto da
burocracia que a engolirá de vez? O final, prezado leitor, está em suas mãos.
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