Em uma tarde plúmbea, carregada de uma densa melancolia, o advogado Jaime, filho de um renomado jurista, caminhava pelas ruas úmidas, sentindo o peso do legado que lhe fora imposto. A neblina, lenta e sinuosa, envolvia o escritório que herdara, assim como herdara os temores de seu pai – uma figura de respeito e sabedoria, mas que, em vida, construíra um nome sem sombras, um pilar de segurança jurídica. Jaime, contudo, havia herdado apenas o reflexo dessa grandeza, sua sombra projetada nas paredes da tradição.
Era fim de tarde quando a herdeira lhe bateu à porta. Marta, de olhar firme e alma inquieta, trazia nos gestos uma urgência sufocada. Seu pai, um comerciante que havia acumulado fortuna após a morte da esposa, deixara um rastro de disputas em torno de seu espólio. O velho comerciante, solitário na viuvez, sucumbira ao que muitos julgavam ser um casamento de interesse, enlaçando-se com Dona Clotilde, uma viúva de intenções escusas, que, junto com seu filho, neto e nora, enredara o viúvo numa união fria, desprovida de amor, mas rica em ambições. Nada haviam construído juntos, e a viúva, ao contrário do que muitos sabiam, não teria direito algum ao patrimônio que jamais lhe pertencera por mérito de vida comum.
Jaime, ao ouvir a história de Marta, sentiu a angústia vibrar no peito. Os dedos dela, finos e trêmulos, tocavam a borda da mesa de mogno com ansiedade. Ela exigia justiça, mas o advogado, de postura rígida e voz sussurrante, sempre hesitara quando o caminho se mostrava litigioso. Preferia, como de costume, o caminho mais brando, o da conciliação. Naquele momento, porém, a sombra do pai parecia pairar sobre seus ombros, como um fardo invisível que o amarrava à complacência.
— Marta, compreendo sua dor — murmurou Jaime, evitando o olhar da jovem. — No entanto, creio que um acordo pode ser mais sensato, evitaria o desgaste emocional...
Marta o fitou com olhos cortantes. Sua determinação contrastava com a fraqueza que ele tentava disfarçar sob as palavras cautelosas. Ela sabia que o destino de sua herança estava nas mãos de alguém que hesitava em enfrentar os lobos que cercavam sua fortuna. Ela já tinha visto esse tipo de timidez nos olhares daqueles que temiam se enredar nas teias da justiça.
— Acordo? — sua voz ecoou como um trovão abafado pela bruma. — Eles querem tudo, e a senhora Clotilde, que jamais contribuiu para o sustento de meu pai, não merece sequer uma migalha! O senhor acha que ela cederá com meras palavras de conciliação?
Jaime, ainda mais encolhido em sua cadeira de couro, sentia-se asfixiado. Ele sempre preferira os acordos, as palavras suaves, o caminho menos tortuoso, ainda que, por vezes, prejudicasse aqueles que nele confiavam. Sua procrastinação era um manto que vestia com a desculpa da prudência, quando, na verdade, era o medo da batalha que o mantinha inerte.
O relógio na parede parecia fazer eco com seu coração ansioso. Os ponteiros arrastavam-se como um tribunal adiado, uma decisão nunca tomada. Ele sabia que a viúva Clotilde não tinha direito ao patrimônio. Sabia que, legalmente, o espólio pertencia apenas a Marta e seus irmãos. E, no entanto, a ideia de enfrentar os tribunais, de romper com sua natureza retraída, lhe trazia calafrios.
Os dias passaram, e Jaime, mais uma vez, adiou os confrontos. Tentou dialogar com Clotilde, tentou acordos mornos, sempre pendendo em favor de uma conciliação que, no fundo, sabia ser injusta. E assim, o tempo escoava por entre seus dedos como areia fria, as heranças se dissipando em mãos que não as mereciam.
A cada adiamento, Marta se tornava mais distante, mais pálida. A frustração tomava conta de sua alma, vendo sua herança, o legado de seu pai, ser tragado pela astúcia da viúva e pela covardia de quem deveria protegê-la. Jaime, por sua vez, já não suportava o peso da própria inação, mas o medo de falhar nos tribunais continuava a pará-lo, como uma serpente enroscada em torno de seus pensamentos.
Até que, um dia, em meio à mesma neblina que parecia habitar permanentemente seus dias, Marta não voltou mais. Desiludida, ela encontrara outro advogado, um jovem ousado e destemido, que, ao contrário de Jaime, enfrentou a viúva e sua prole com o vigor necessário. O caso foi resolvido com rapidez, e o direito de Marta foi assegurado sem concessões.
Jaime, ao saber do desfecho, permaneceu em seu escritório, envolto em sombras, com a certeza amarga de que, mais uma vez, fora vencido por seu próprio medo. E, assim, sua procrastinação tornou-se seu legado, tão insípido quanto a fumaça que enchia o ambiente, uma presença sem substância, uma justiça que nunca chegou.
E o advogado, perdido em sua imobilidade, seguiu vivendo como quem se arrasta nas margens da vida, temendo, sempre, atravessar o rio turvo da litigância. A herança que jamais lutara para defender escorria como as últimas horas do crepúsculo, enquanto ele, eternamente envolto em brumas, esperava por algo que nunca viria: a coragem de ser o advogado que seu pai um dia fora.
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