domingo, 8 de setembro de 2024

O Silêncio das Rodas

 

Rosália, com seus sessenta anos, encontrou-se presa entre o aço retorcido de um acidente de carro. A bacia quebrada, o fêmur deslocado — sua vida, outrora cheia de movimento, agora reduzida a uma imobilidade dolorosa. O cirurgião ortopedista traumotologista, com olhos sérios e palavras gentis, prescreveu meses de repouso absoluto. E assim, Rosália se viu confinada à cama, com a cadeira de rodas como sua fiel companheira.

Os filhos mais velhos, preocupados e pragmáticos, sugeriram uma casa de repouso. Mas Rosália, teimosa e resiliente, recusou. Ela preferia a companhia de seu filho de dezoito anos e de sua nora de dezesseis. Juntos, eles se tornaram seus guardiões, seus anjos improvisados. Eles aprenderam a arte de cuidar, trocando fraldas, ajustando travesseiros e sorrindo mesmo quando o cansaço os abraçava.

Um mês se passou desde a alta hospitalar, e Rosália retornou àquele lugar de corredores brancos e cheiro de desinfetante. Uma embolia pulmonar, traiçoeira como uma sombra, a atingiu. Agora, sua situação era gravíssima. Seu filho mais velho, com o coração apertado, teve que partir. A licença médica expirou, e ele voltou ao seu estado de origem, deixando Rosália aos cuidados do tempo e da inexperiência.

Ele não compreendia que já havia feito tudo o que podia. Alugou uma casa próxima ao hospital, instalou cercas elétricas para segurança, adaptou o banheiro para acessibilidade e comprou  cadeira de rodas e banho. Sua tia, uma voz sensata no turbilhão de emoções, acionou a assistente social. Orientações foram dadas, limites estabelecidos. O caçula, com o sumário de alta nas mãos, bateu à porta do posto de saúde, implorando por visitas domiciliares.

A tia acreditava que todos haviam feito o que estava ao alcance. Agora, era hora de silenciar e permitir que o caçula se transformasse. Ele, que vivia da pensão do pai, sem trabalho ou estudos, carregava o peso da responsabilidade. Cresceria pela dor, se não pelo amor. As escolhas feitas em nome da vítima, Rosália, revelariam seus benefícios ou consequências com o passar do tempo. Talvez todos amadurecessem, ou talvez a negligência deixasse marcas indeléveis.

E assim, no silêncio das rodas que deslizavam pelo chão, Rosália aguardava. Fisioterapia pulmonar e ortopédica, medicação pontual, avaliações médicas regulares — tudo isso se tornou seu novo mundo. Seu filho, agora distante, aprendia a ser homem, não apenas pelo amor, mas também pela dor. E no coração de todos, a esperança e o temor dançavam uma valsa incerta, enquanto o tempo seguia seu curso implacável.

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