domingo, 26 de fevereiro de 2023

Sonhos perdidos

            

 

 

          Era primavera quando  Rosalina recebeu  uma mensagem caliente de  alguém muito especial do seu passado. Uma mulher comum ao ler  uma mensagem como esta  provavelmente desceria do salto, chamaria o  remetente   de tarado, que só pensava naquilo. Chamaria as amigas maquiavélicas e arquitetariam um plano de vingança infalível que culminaria na impotência perpetua do pobre homem. Mas Rosalina   era diferente! Jamais faria algum mal a um homem que expressasse o seu desejo de  amor/eros  com fantasias inusitadas. Ela acreditava que o amor,  sem  criatividade e magia  embrutecia   a relação reduzindo-a  a simples exercícios físicos em dupla.  E  era primavera!

          Rosalina acreditava  que as estações do ano influenciavam diretamente o humor das pessoas. Além da  magia e beleza das flores, insetos e  dos sedutores canto de acasalamento dos pássaros a ciência já provou que a exposição  à luz do sol estimula a produção das três substâncias responsáveis pelo bom humor e  energia: serotonina, dopamina e  melatonina, e Rosalina vivia em um  país tropical e em  sua região na primavera a temperatura chega até 37º,  o que favorecia o desenrolar de grandes paixões,  a época  era propícia para se entregar de corpo e alma e realizar as fantasias  do parceiro para  juntos vivenciariam o fascínio do amor, a experiência  do absoluto que tudo transforma  fazendo da pessoa amada  uma quase  divindade. Um encontro como este exigiria um território neutro, e o universo conspiravam a seu favor, já que tinha que fazer uma viagem profissional  para a cidade  onde também se encontrava João Francisco, as datas do evento coincidiam  com o final da   lua crescente e início da cheia.. Na fase quarto crescente,  há uma aumento da libido das pessoas e os casais sentem uma vontade inexplicável de se amarem e se renovarem na intimidade. O poder mágico da   lua cheia favorece a compreensão dos desejos do outro e intensifica  as relações. Perfeito!

          O termômetro mais seguro para  o homem saber o quando é amado e desejado por uma  mulher é o tempo  que ela gasta se preparando somente para ele.  Rosalina desejava tanto João Francisco  que após ler a mensagem iniciou a maratona de cuidados com o corpo, começando pelos cabelos; hidratação, banho de creme exclusivo  para brilho intenso, escolha de uma nova cor, uma aparada básica para tirar as pontas abertas e ressecadas, depilação, sobrancelhas  e claro, não esquecia uma dia sequer dos cuidados diários:  limpar, tonificar, hidratar:  rosto, mãos e pés. Se  João Francisco sonhava com intensas noites de Bagdá, Rosalina não poderia decepcioná-lo, tinha que pensar em  cinco momentos diferentes que fugissem dos fetiches  relacionado ao imaginário popular e largamente difundido pela literatura e apresentado como desejáveis pela mídia:  cores vermelhas e pretas, cintas ligas, espartilhos entre  outros. Bem mais  do que uso variados de acessórios, a ocasião exigiria uma postura diferente concluiu Rosalina, já que João Francisco sonhava com  cinco noites de Bagdá, em sua imaginação ela  o viu como um  sultão e seu harém com mais de cem mulheres de diferentes culturas. Cada noite com uma.  Depois de muito pensar a ideia veio, claro que ela teria inúmeros obstáculos para ser realizada,  mas  daria o melhor de si, com intensidade, amor e carinho e no final do encontro,  sonhava que João Francisco  estivesse realizado plenamente, sentindo-se o homem mais amado e desejado de todos os tempos.

          A primeira noite  teria que  ser surpreendente, bem diferente da sua cultura e do passado dos dois. Rosalina inspirou-se na tradição das gueixas japonesas, e comprou um quimono de cetim, estampado com gueixas e flores de cerejeiras,  usaria  batom e sapatos  vermelhos, cabelo preso e finalizaria a produção com perfume do Brasil,  com notas de   breu branco para o toque amadeirado e de cumaru  para o toque adocicado. Em momentos  especiais a produção ajuda a estimular o sentido da visão, olfato e tato, porém, a ocasião exigiria mais: comportamento compatível com a fonte inspiradora. Assim, acontecesse o que acontecesse, Rosalina não desceria do salto, pois as gueixas são mulheres cultas,  delicadas e treinadas para  serem companhias agradáveis,  ouvir confidências, guardar segredos, entre outras tarefas que não incluem obrigatoriamente a prática sexual, cabendo a gueixa a opção de manter relações íntimas.  Nesta primeira noite de encontro, Rosalina  decidira que seria uma companhia adorável e se João Francisco a desejasse, se entregaria a ele com muito amor e carinho, uma noite sem reclamações, cobranças,  desentendimentos, ela tinha uma meta:  fazê-lo feliz!

           Depois de uma noite agradável, sem reservas à moda oriental, Rosalina pensou em surpreendê-lo como uma  mulher recatada  do século XIX quando o marido jamais podia ver o corpo da esposa e a ela não era permitido  demonstrar desejo e   prazer sexual, a penumbra e escuridão seria o clima ideal, sendo obrigada a satisfazer o desejo do parceiro se entregaria a ele com muita reserva e recato e com a tradicional obediências  que deviam aos parceiros. Eram  mulheres objetos, sem vontades,  educadas  para cumprirem deveres,   cuidar da casa e satisfazerem os desejos sexuais dos maridos sempre que o desejassem segundo a vontade deles, e principalmente, gerar filhos, e filhos homens de preferências. Difícil  comportamento,  mas por João Francisco, valeria a pena!

          E a terceira noite que surpresa prepararia para ele? Já esteve com uma mulher treinada para ser doce e agradável, uma mulher objeto que  apenas cumpre deveres impostos pela cultura.  Era hora de Rosalina se mostrar na sua essência mulher de sentimentos intensos que  se preocupava em dar e ter prazer, estimulando  os cincos sentidos, demoradamente, carinhosamente, sem  pressa pois a carícia  devolve a confiança, pele tocando pele com cuidado amoroso..... Rosalina abominava o sexo mecânico, comercial, exibicionista em que os parceiros se preocupam mais com as técnicas aprendidas  em revistas, filmes  e  vários orgasmos  no menor tempo possível. Na concepção dela, o ato sexual é sagrado, é o encontro das energias masculinas e femininas é o momento de acender a energia vital com longas e tranquilas preliminares despertando tanto para o prazer carnal como  para a consciência e juntos encontrarem o caminho do êxtase.

          A quarta noite  exigiria   uma mudança radical.  Assim Rosalina optou pela mulher dominadora e egoísta que trata o parceiro como um  objeto de seu prazer, estava ciente do risco que correria,  já que a personalidade de  João Francisco é de macho dominador, manipulador e egoísta que não enxerga as necessidades da  parceira  mas, se ele correspondesse as suas expectativas com certeza, no final da noite, seguindo a tradição das amazonas lhe daria o muiraquitã.

          Após uma noite de amor selvagem,  independente se resultado positivo ou negativo, Rosalina decidiu surpreender João  Francisco com uma última noite marcada pelas  tradições culturais dos povos nativos do Brasil o que exigiu uma árdua pesquisa dos costumes sexuais dos  índios. A primeira providência seria uma depilação à moda indígena, banho sem sabonete e claro, esperaria pelo amado  usando somente colores e brincos da étnicos Na cultura  indígena os papéis são bem definidos, homem faz o que é tarefa de homem e mulher  apenas as tarefas destinadas tradicionalmente as mulheres,  e não há  tabus sexuais, porém eles  não tem hábito de beijos na boca e carícias preliminares tradicionais da cultura européia.  Para Rosalina que aprecia longos e demorados beijos seria difícil  aparecer  nua na frente de João Francisco sem se jogar em seus braços e cobri-lo de  selinhos. Ela estava decidida,  manteria a postura  tribal de respeito  ao homem e cederia  docemente, aos avanços de João Francisco.

          Decisão tomada foi arrumar a mala, o que é um trabalho árduo quando se quer agradar um homem, já que incluía uma produção por noite,  fora a que ela teria que levar para  o dia  já que seus compromissos seriam desvinculados das noites de BAGDÁ.  Fora as produções, toda mulher apaixonada carrega o kit   de cuidados diários: Creme para a área dos olhos, rosto, pés, mãos, diurnos e noturnos, óleos  perfumados para massagem, perfumes,  desodorantes, sabonetes, xampus, condicionadores, e adereços para os cabelos. Com uma mala muito pesada,  Rosalina seguiu em uma longa viagem embalada pelo sonho de amar e ser amada, porém, ficou sozinha no hotel, João Francisco não apareceu uma noite sequer.

          Se  Rosalina fosse uma feminista  radical, diante de uma desfeita desta, por solidariedade feminina, convocaria uma reunião com as companheiras  de luta e traçariam um plano de ação para puni-lo severamente pelo desprezo.

          Se Rosalina fosse uma mulher romântica, choraria lágrimas de sangue, telefonaria para todas as amigas e familiares, pediria colo, juraria mil vezes nunca mais amar um homem e claro, terminaria no divã do analista.

          Se Rosalina  fosse uma mulher frágil e insegura, lamentaria muito,  se culparia pelo que aconteceu, se sentiria a última das mulheres, tentaria suicídio ou terminaria seus dias com  tarja preta.

          Se Rosalina fosse uma mulher vingativa, convocaria  as amigas  malvadas, revoltadas e mal amadas  para lhe ajudar na sua vingança que tornaria a vida de  João Francisco e  seus familiares em um inferno.

          Se Rosalina fosse uma mulher de  autoestima bem baixa, ingenuamente se entregaria aos amigos e conhecidos de João  Francisco, como a lhe dizer que ele não a quis, mas outros a quiseram e assim lentamente  secaria seu coração e sua dignidade.

          Se Rosalina fosse uma naturalista,  mudaria radicalmente sua dieta, selecionando apenas alimentos que melhoram o humor.

          Se Rosalina fosse apenas uma mulher moderna,  para esquecer o episódio humilhante  dedicaria de maneira extrema ao trabalho.

          Se Rosalina fosse filhinha mimada do papai, mamãe e irmãos, com certeza, o destino de João Francisco seria  trágico.

          Se Rosalina fosse uma mulher com cabeça do século XIX, com certeza se tornaria uma compradora compulsiva, comedora compulsiva, chocólotra ou coisas parecidas e até piores.

          Se  Rosalina fosse uma mulher fraca espiritualmente enveredaria pelo caminho do fanatismo religioso.

          Rosalina se preparou com  esmero e  carinho para o encontro, se sentiu  uma mendiga de afeto, carinho, colo, atenção, mas não seguiria  por estas trilhas porque era uma  mulher diferente!

           Após ser  desprezada de maneira tão humilhante que caminho Rosalina irá  seguir?                                                               

         

 

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