segunda-feira, 10 de junho de 2019

Sabores de minha infância



 Espero ansiosamente  pelo  dia 16 de  janeiro de 2025, porque finalmente, nesta data, serei uma sexagenária saudável, lúcida e feliz.  Enquanto grande parte do mulherio diminui  os janeiros e sentem-se ofendidas, quando lhes perguntam a idade,  em minha tradição, tanto a ala feminina quanto a masculina sentem orgulho e gratidão por permanecerem na terra por um longo período, e segundo  a nossa fé, nossa única experiência terrena, depois a eternidade  ao lado do Pai Eterno!
                 Tenho orgulho dos meus antepassados centenários, sendo minha avó paterna a recordista: 104 anos! Acredito que os sabores da infância  são um dos segredos  da longevidade   dos privilegiados que nasceram, como eu, até a década de 1960.  A nova geração a partir dos  anos 80, como diria minha bisavó,  “outros tempos, outros hábitos alimentares e, consequentemente,  outra expectativa de vida." Vale ressaltar que em minha família, no quesito alimentação, criança não opinava. Os pais decidiam o que comer, a  quantidade e em  horários estabelecidos por eles, rotina que seguiam rigorosamente. As guloseimas ficavam a cargo dos avós, padrinhos e tios e isto era raro,  porque privilegiavam presentear os pequenos com frutas, quitandas e doces feitos com rapadura. Aos leitores modernos, pode parecer que as crianças eram infelizes e  que sofriam de  uma vontade constante de  experimentar novos sabores oriundos da indústria alimentícia. Sinto decepcioná-los! Isto não é verdade, porque ninguém sente falta daquilo que não conhece e que nunca teve. É sabido por todos que o valor às coisas é dado pela família  e, como nasci  em zona rural, sem televisão que  estimulasse o consumo de  produtos industrializados, aprendi desde cedo a valorizar os frutos do cerrado, da  horta e do pomar. Quando uma criança expressava o desejo de comer  uma fruta, uma verdura ou legume  que eles não produziam, os pais não mediam esforços para satisfazer o desejo do rebento, como aconteceu comigo. Certa vez, mamãe contratou uma lavadeira que  apreciava pepinos e tanto falou neles, que eu, uma criança  com seis ou sete anos,  comecei a imaginar qual seria o gosto! Forte como o araticum e pequi ou suave como a jabuticaba? E uma vontade sem limites de experimentar apossou-se de mim. Pedi ao papai que, quando fosse à cidade, comprasse um para mim. Ele não pode atender-me de imediato porque naquela época, em Biquinhas, MG, a cidade mais próxima, não tinha supermercado, apenas pequenos comércios denominados de Venda, Armazém e  não havia variedade. Após a explanação paterna, aceitei e esqueci o  desejo, porém,  ele não e, um dia, meu tio Tito, do costado  paterno chegou à nossa casa com uma  surpresa para mim:  Pepinos!  A vontade supostamente esquecida aflorou e com ela  a decepção!  Eu não gostei do sabor,  agradeci muito, dividi com  todos para que  também apreciassem a novidade  e comi o restante por gratidão ao esforço familiar.  Atualmente pesa sobre meus ombros a responsabilidade das compras e da cozinha, consumo-o   em virtude de seu valor nutricional. Nada mais!
            No interior de Minas Gerais, até os meados do século XX, era comum aos homens  de  minha família, ao construir a sua casa para  contraírem matrimônio, plantar  árvores frutíferas próximo à sede e, com a chegada  da esposa, esta se responsabilizava pelo cultivo da horta, do jardim  e das tarefas relacionadas ao galinheiro, o que garantia  ovos frescos,  a tradicional sopa de galinha às parturientes e, claro, o frango caipira ensopado com quiabo, aos domingos, iguaria  que mineiro do sertão não recusa nunca. As bênçãos de Deus em forma de filhos, quando chegavam aos braços dos pais, já tinham garantido uma boa alimentação orgânica,  isto sem falar no cuidado  que as mulheres mais velhas dispensavam às jovens mães e seus pimpolhos. São doces as lembranças que tenho de minha avó paterna, muito do meu equilíbrio emocional, devo a ela. Morávamos perto, segundo padrão de distância  do mineiro residente em  zona rural, “logo ali”, mas para os citadinos, principalmente de outros estados, o conceito de distância é outro. Assim, nos víamos  sempre,  no mínimo duas vezes ao mês e em períodos  de gravidez da mamãe, ela permanecia dois meses em casa, um antes do parto e outro depois,  dispensando muita atenção à criança recém-nascida, sem descuidar da nora, do filho e das irmãs mais velhas. Brincávamos, e como brincávamos! Além   dos talentos de vovó,  era exímia cozinheira. Não há como esquecer o seu delicioso frango  com ora-pro-nóbis (Pereskia aculeata, planta  originária do continente americano  e bastante utilizada na gastronomia mineira)
            Mamãe gostava de cozinhar e cuidava com esmero da horta  e com esforço e dedicação garantia à sua prole numerosa de sete filhos, uma alimentação saudável e variada. Quiabo, couve,   repolho, alface, tomate, abóbora, tomate, almeirão, açafrão  da terra, inhame, cará, cenoura e  jiló eram plantados anualmente, às vezes, introduzia-se   umas novidades. Quanto ao formato dos canteiros,  o cheiro da terra  molhada ao entardecer, não tenho grandes lembranças, pelo que  recordo, desde a mais tenra idade eu era proibida de  adentrar naquele recinto, porque tinha um comportamento parecido com o da formiga saúva cortadeira. Não conseguia resistir aos brotos e devorava-os lá mesmo, sem a menor preocupação com higiene, principalmente  os jovens quiabos, folhas de alho, cebola, couve e hortelã.
Para dar sabor aos alimentos,  nada de  produtos desidratados, tudo fresco, direto da plantação, Havia abundância de alecrim, cebolinha, salsinha, manjericão, alho, cebola de cabeça, erva-doce  hortelã e pimenta. Acredito que o interesse que tenho por temperos, é  influência materna. Sou uma pessoa criativa na cozinha,  e vivo experimentando as novidades que encontro  em feiras livres e mercados; quando convido alguém para um jantar, normalmente, apresentam  uma contraproposta: “um restaurante”. Embora  decepcionada por perder  um provador,  sempre aceito, com receio de perder a amizade; diante deste fato, não tenho como negar que alguns experimentos costumam dar errado, razão pela qual minha cozinha não sofre com aglomeração  de pessoas.
            Em virtude de suas características geográficas, Minas Gerais, recebeu   diferentes povos  necessários  para o trabalho na mineração, pecuária leiteira, nos cafezais  e assimilou um  pouco de cada   cultura. Um dos pratos   típicos do estado, frango com quiabo e angu  é um  ótimo exemplo destas influências. O quiabeiro não é uma planta nativa do Brasil e já era  cultivada  no Egito, nas várzeas do rio Nilo, há pelo menos doze séculos a.C. e há relatos  que afirmam que a sua introdução  no país ocorreu com o comércio de escravos no ano de 1658. O ingrediente principal da  receita, o frango, também é estrangeiro,  navegando na internet, encontra-se vários textos que afirmam ser ele  asiático e cá aportou com a Esquadra de Cabral, fato ensinado a todos as  crianças  tão logo ingressam na escola, com base na  Carta de Pero Vaz de Caminha  dirigida  ao rei de Portugal, Dom Manuel o Venturoso, a qual relata  que os  povos nativos, se assustaram quando lhes foi apresentado a galinha  doméstica. O  angu  é feito com fubá de milho, cereal  originário das Américas e  há várias lendas  na cosmologia indígena  brasileira que explica a sua origem, entre elas, destaco a  comovente história do povo guarani, que mostra o amor e abnegação de dois jovens dispostos a se sacrificarem para o bem comum  da tribo. Conta-se que há muito tempo houve uma  grande seca, às  águas dos rios baixavam em uma velocidade nunca vista antes, as árvores não produziam mais frutos e a caça escasseava. Após dias nos  recônditos da floresta, os caçadores  retornavam fracos, abatidos e  com as mãos vazias e todos padeciam com a fome. Uma tarde,  dois valentes guerreiros, já desanimados decidiram voltar à tribo e, no caminho, encontraram Nhandeiara, O Grande  Espírito  e este, com a sua infinita sabedoria disse  que se eles almejavam abundância de alimentos para todas as aldeias, era  necessário que eles lutassem até um tombar sobre a terra sagrada.  O vencedor deveria enterrá-lo  no  local de sua queda.  Assim foi feito e  Avati caiu sem vida.  No local onde foi sepultado, nasceu uma planta, que recebeu o nome Avati,  ( milho no  idioma português), em homenagem ao  corajoso jovem que deu a sua vida para salvar a  de seu povo.  Não há como negar que esta deliciosa iguaria mineira - frango com  quiabo e angu - é  resultante da contribuição de  três grandes etnias, portanto, um prato especial que vai além do sabor dos ingredientes: é amor, tradição, diversidade!  É Minas Gerais!
             A minha presença não era bem vista na horta  e muito menos na cozinha, em virtude do meu abominável hábito de  querer provar tudo a todo instante, assim, não aprendi a cozinhar divinamente bem como a mamãe (In memoriam) cujo frango com quiabo e angu era indescritível. Sua  habilidade culinária não se resumia às refeições principais, suas quitandas (em Minas Gerais, refere-se ao conjunto de bolos, doces e biscoitos feitos em casa)  eram verdadeiros manjares dos deuses. Destaco o biscoito de queijo, uma tradição  de minha cidade, iguaria também resultante do encontro de  culturas: Seus ingredientes base são: polvilho, banha de porco, queijo,ovo, os mesmos do tradicional pão de queijo mineiro, porém,  o preparo é diferente.  Banha suína, queijo e ovos de galinha, foram introduzidos pelos  portugueses e o polvilho, um produto da mandioca é uma herança  indígena,  e há uma emocionante lenda que narra a sua origem.  Resumidamente, relato-a: Maní era uma linda criança amada por toda a tribo que faleceu durante o sono. A mãe  enterrou- a  na oca e durante dias chorou sobre a sepultura; suas lágrimas regavam a terra e após alguns dias, nasceu uma saborosa raiz que  tornou alimento básico dos  nativos e da nova nação que se formou após a chegada da Esquadra de Pedro  Álvares Cabral. Seu sabor peculiar é impregnado do legado familiar de várias gerações indígenas   e das peculiaridades de sua cosmologia!
            Quando eu nasci, as plantas do pomar já produziam e tenho agradáveis lembranças das tardes quentes em que toda a família se reunia  à sombra da laranjeira ou mangueira e saboreávamos as frutas da época. É viva  a imagem de todos sentados em círculo e papai  descascando e cortando  o  abacaxi em fatias  e com  um olhar carinhoso, entregava a cada filha o seu pedaço, somente depois, ele e a mamãe comiam.  O mesmo  ritual se repetia com a melancia. Para mim,  estas frutas estão associadas  a afeto, e  consumi-las sozinha  seguindo as regras de etiqueta à mesa é um sacrifício que evito ao máximo. Ás vezes, quando recebo crianças em casa, em meu pequeno apartamento,  faço questão de    cortar uma melancia  para ser degustada sem cerimônia, na tentativa de reviver  os ternos momentos  do passado. O abacaxizeiro é nativo das Américas e se aprende na escola  que a sua  disseminação  pelo mundo deve-se a Cristóvão Colombo, que  provou-o   em  04 de novembro de 1493 quando desembarcou na Ilha de Guadalupe. A jabuticabeira é nativa do Brasil e até o século XIX  era abundante   nos pomares das grandes fazendas, nos quintais das  residências urbanas e eu não sei a razão pela qual o papai não  plantou uma muda sequer. Meu contanto com a fruta, ocorria anualmente, na época da  safra,  nunca soube a procedência, tenho a lembrança das orientações maternas  de como consumi –las e da farra da criançada  em volta da peneira, onde eram colocadas após serem lavadas. A fruta colhida  diretamente da planta é bem mais saborosa e, algumas cidades mineiras, entre elas Sabará, alugam suas jabuticabeiras aos turistas, pessoas  que  não  dispõem de espaço para cultiva-las e almejam usufruir deste prazer. É uma experiência impar!
            São seis os grandes biomas brasileiros e eu fui abençoada por Deus por ter nascido no cerrado cuja característica é a presença de  árvores de pequeno porte com  casca dura e grossa, galhos tortuosos  e raízes profundas necessárias à  busca de água em  tempos de estiagem. É considerado  a caixa d’água do Brasil, o berço das águas, já que abriga várias nascentes que beneficiam grandes  bacias hidrográficas entre  elas a do  São Francisco,  chamado carinhosamente de “O Velho Chico”, o rio da integração nacional. Além da riqueza hídrica e da  fauna,  há uma gama de frutos, que infelizmente a indústria alimentícia brasileira não faz uso em grande escala, ficando esta riqueza praticamente reduzida as comunidades tradicionais. Graças ao meu pai, pude apreciar as peculiaridades dos sabores do cerrado e citarei apenas os que  infelizmente, hoje, não  estão em minha mesa. O araticunzeiro é uma árvore frutífera  que varia entre quatro a oito metros de altura, sua floração ocorre entre  os meses de setembro a novembro, e os besouros são os seus principais polinizadores.  O araticum exala um aroma característico  que indica a certa distância onde encontra-lo, já que são colhidos no chão  de novembro a março pelos fiéis consumidores sazonais, que esperam pacientemente  por longos meses para  degustar sua polpa macia e cheia de sementes. É um fruto cativante!  Segura-los nas mãos, sentir a textura de sua casca grossa,  seu cheiro, abri-lo e compartilha-lo com os familiares é uma experiência  indescritível. É consumida   in natura,  sua polpa é usada  também em sorvetes, bolos e demais quitandas características do interior mineiro, porém, raramente é comercializado em supermercados e feiras livres nas cidades, às vezes é  vendido em barracas à beira das estradas. É uma pena que ele não recebe atenção devida dos profissionais de nutrição e  autoridades governamentais porque é rico em  vitaminas do complexo B.  O pequizeiro! Seu fruto desperta dois   fortes sentimentos: amor ou ódio. Não há meio termo. Não existe  o  grupo do vou  provar para conhecer, ou o dos eu como de tudo que faz bem á saúde. Assim que alguém vai adentrando  com a sacola carregada  de pequi, que foram  cuidadosamente colhidos à sombra de  uma frondosa árvore,  acontece duas maratonas domésticas: a turma do ódio, que não suporta sequer o cheiro forte e marcante da fruta   se afastam o máximo possível da cozinha  e a  dos fiéis e eternos apaixonados, como eu, que não esperava o sinal da largada para correr para a cozinha e  iniciar o mais rápido possível o preparo de qualquer prato  que ele seja o  ingrediente  principal, como  arroz com pequi, frango com pequi, pequi refogado com  bastante cebola, estas são as minhas receitas preferidas.
            Comer pequi é uma arte!  Os turistas, da turma do amor à primeira vista, devem ser orientados antes, porque o seu consumo deve ser cauteloso em virtude dos inúmeros e minúsculos espinhos que protegem a castanha e ficam debaixo da polpa, que jamais pode ser mordida  e sim, roída delicadamente, caso contrário, será necessário uma pinça,  aquela usada pelas mulheres para  arrancar  os pelos das sobrancelha,  para retirar  cuidadosamente os espinhos da língua do incauto, porém,  o sofrimento momentâneo não impede  o desavisado de continuar a  desfrutar do  sabor  peculiar do ouro de cerrado, como é chamado popularmente.  “Roer o caroço, morder jamais” é a regra básica que os apaixonados não  podem esquecer.  Eu não conheço  a reserva indígena Parque do Xingu, porém,  aprendi na escola  que  lá,  as sementes de pequi são plantadas   sempre que nasce uma criança e é  de responsabilidade paterna,  fazer a semeadura  e   garantir o alimento futuro do filho.          
            O jatobá do cerrado produz um fruto com uma  casca bem dura, sendo necessário  um esforço para quebra-la, mas vale a pena porque dentro estão as sementes e  uma polpa farinácea deliciosa e que gruda nos dentes. É  consumida  in natura  e também utilizada  no preparo de bolo, mingau, pão e outros. A floração acontece nos meses de dezembro a fevereiro e acredite os morcegos são os seus principais polinizadores.  Não sei  a razão pela qual a mamãe não fazia uso culinário desta fruta, porém, nunca nos impediu de consumi-la, o que adorávamos fazer em baixo da árvore, sentindo o vento, ouvindo o farfalhar das  folhas e o canto dos pássaros.   É uma planta medicinal, segundo a tradição popular. Reza uma velha lenda que o consumo ajudar a clarear a mente e  purificar o espírito, porém,  com moderação, já que os efeitos colaterais são implacáveis, o excesso pode deixar a pessoa atordoada. Eu nunca arrisquei,  sempre segui  rigorosamente a orientação dos mais velhos: “ coma pouco para comer sempre.”  A resina, casca e semente são utilizadas em forma de chá para combater várias doenças.
Temperos! São eles que dão sabor a comida e caracterizam a cozinheira e saber harmoniza-los é uma arte. Sinto tanta saudade do frango caipira que a mamãe preparava  ao domingos, temperando apenas com alho, cebola, cheiro verde e pimenta. Do pernil suíno assado com alecrim em dias festivos  com a presença dos avós, tios e primos.  Da macarronada com manjericão e queijo ralado quando estava apressada e  não tinha tempo para   pratos mais elaborados. Vale ressaltar, que a filha  que ia a horta em busca  de temperos  frescos não era eu. Em conseqüência desta regra,  tenho um sonho acalentado  há anos de morar em uma casa  com quintal  onde eu possa  plantar e colher.  A mais doce lembrança que tenho das iguarias do lanche da tarde  é do bolo de fubá com erva-doce, sabor e textura igual , jamais encontrei em padarias, mercados e feiras.
 Sinto saudades de minha infância, em um sítio conhecido pelo nome de Saracura, às margens da represa de Três Marias.   Desde a mais tenra idade,  ajudava na lida diária,  em tarefas  compatíveis com a idade.   Sou profundamente grata aos  meus pais  por terem  me proporcionaram uma infância sem grandes sofrimentos, medos e perdas. Tenho recordações deliciosas  dos momentos em que a família se reunia à mesa das refeições ou em círculos, à sombra das árvores frutíferas e de  papai carinhosamente dividindo os frutos com a sua prole numerosa. Com a distância dos anos, percebo claramente que eu mais apreciava não era o abacaxi ou a melancia, mas  a  presença, o carinho e o cuidado  com que eles nos alimentavam.  Hoje, estas frutas são as minhas  preferidas porque chegam a mim  impregnadas  de afeto  familiar, e  não há como evitar que lágrimas saudosistas  brotem em meus olhos cansados quando estou diante delas. Talvez eu seja uma das poucas mulheres que não reclama de descascar  abacaxi. Como poderia eu queixar-me se ao  tocá-lo, afloram as mais suaves memórias dos anos mais felizes de minha vida?
A vida na zona rural, sem as tecnologias de hoje era dura, e após um dia exaustivo de trabalho a sol a pino, quantas vezes vi papai chegar cansado,  mas  com um sorriso nos lábios e  frutas nas mãos de acordo com a época, porque a natureza bruta tem ciclo próprio e  o homem do campo espera com paciência, quando generosamente ela fornece o alimento.  Com as crianças à sua volta,  fazia a partilha e quando era araticum, eu sempre queria mais e mais. Estas recordações me perseguem até hoje  porque  estão impregnadas de amor, afeto e cuidado. São  os aromas e sabores  de minha terra natal, enraizados em meu coração, que fornecem a coragem e a força necessária para   eu continuar trilhando o caminho que escolhi distante dos meus,  e quando a saudade bate forte dentro  do peito, invariavelmente   vou à cozinha preparar uma receita da família e reviver   as carinhosas refeições  que encantaram a  minha infância. Sou profundamente grata aos meus pais por ter  tido o privilégio de nascer deles,  por terem me proporcionado uma alimentação orgânica, saudável e deliciosa, como diria a  mamãe, “a base para chegar ao cem anos de idade saudável, lúcida e feliz.”  Chegarei lá com a benção deles!


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