quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Tributo a Renato Andrade e ao som da alma caipira

Eis que me ponho a discorrer sobre os prós e os contratempos de habitar uma vila acanhada, dessas onde a brisa leva devagar os dias, mas os traz de volta com escassez de encantos e manifestações culturais ao gosto de um povo simples. Ora, as apresentações que se oferecem aos moradores, mesmo quando chegam como novidades, custam muitas vezes o esforço de um fidalgo, sem jamais corresponder à excelência de uma noite de veras esplêndida.

Foi então que, ontem, me acometeu uma grata surpresa: um tributo digno ao mestre incomparável da viola caipira, Renato Andrade. Esse virtuoso, nascido em Abaeté num agosto do ano de 1932, alçou-se à glória não apenas como músico, mas como um verdadeiro poeta dos acordes. A trajetória de Renato é curiosa e valente: levado ainda jovem à capital, Belo Horizonte, para aprimorar-se ao violino, retornou um tempo depois à sua terra, onde escutou, como quem ouve o chamado de uma musa, o som da viola caipira. E ali, enamorado do instrumento, prometeu-lhe devoção eterna, a ponto de entrelaçar o popular e o erudito, emoldurando a viola em salões de concerto, como se fizesse justiça à grandeza que tão bem sabia habitar em suas cordas. Seu primeiro trabalho solo, "A Fantástica Viola de Renato Andrade", é relíquia de 1977, uma obra que faz jus à reputação do artista.

Oh, e que fortuna a minha: essa homenagem era franca! Era-lhe comum, segundo dizem, proferir gracejos tais como: “A viola é como a mortadela: todo mundo gosta, mas ninguém quer comer à vista dos outros.” E que me perdoe o poeta violeiro, pois não aprecio a mortadela; todavia, a viola, ah! essa pulsa em meu peito, enlevando-me com o sortilégio de sua sonoridade.

Aos que amo na arte da viola, após, bem o sabem, o ilustre Renato Andrade, incluo Tião Carreiro, Almir Sater, e Helena Meireles. Que benesse é ouvir-lhes os solos, especialmente em dias em que a procrastinação me acomete e os ânimos parecem esquecidos. Pois nada, senhores, eleva o espírito e desperta a disposição como o som da nossa querida viola. Com ela, a melancolia perde força, e a procrastinação se desvanece como névoa à luz do sol.

Sou, pois, grata ao destino por haver-me permitido presenciar este tributo a Renato Andrade, cuja viola, como a vida, é simples e grandiosa, bela e encantadora como um verso de amores que se recita ao coração.

 


Nenhum comentário:

Postar um comentário