Eis que me ponho a discorrer sobre os prós e os contratempos de habitar uma
vila acanhada, dessas onde a brisa leva devagar os dias, mas os traz de volta
com escassez de encantos e manifestações culturais ao gosto de um povo simples.
Ora, as apresentações que se oferecem aos moradores, mesmo quando chegam como
novidades, custam muitas vezes o esforço de um fidalgo, sem jamais corresponder
à excelência de uma noite de veras esplêndida.
Foi então que, ontem, me acometeu uma grata surpresa: um tributo digno ao
mestre incomparável da viola caipira, Renato Andrade. Esse virtuoso, nascido em
Abaeté num agosto do ano de 1932, alçou-se à glória não apenas como músico, mas
como um verdadeiro poeta dos acordes. A trajetória de Renato é curiosa e
valente: levado ainda jovem à capital, Belo Horizonte, para aprimorar-se ao
violino, retornou um tempo depois à sua terra, onde escutou, como quem ouve o
chamado de uma musa, o som da viola caipira. E ali, enamorado do instrumento,
prometeu-lhe devoção eterna, a ponto de entrelaçar o popular e o erudito,
emoldurando a viola em salões de concerto, como se fizesse justiça à grandeza
que tão bem sabia habitar em suas cordas. Seu primeiro trabalho solo, "A
Fantástica Viola de Renato Andrade", é relíquia de 1977, uma obra que faz
jus à reputação do artista.
Oh, e que fortuna a minha: essa homenagem era franca! Era-lhe comum, segundo
dizem, proferir gracejos tais como: “A viola é como a mortadela: todo mundo
gosta, mas ninguém quer comer à vista dos outros.” E que me perdoe o poeta
violeiro, pois não aprecio a mortadela; todavia, a viola, ah! essa pulsa em meu
peito, enlevando-me com o sortilégio de sua sonoridade.
Aos que amo na arte da viola, após, bem o sabem, o ilustre Renato Andrade,
incluo Tião Carreiro, Almir Sater, e Helena Meireles. Que benesse é ouvir-lhes
os solos, especialmente em dias em que a procrastinação me acomete e os ânimos
parecem esquecidos. Pois nada, senhores, eleva o espírito e desperta a disposição
como o som da nossa querida viola. Com ela, a melancolia perde força, e a
procrastinação se desvanece como névoa à luz do sol.
Sou, pois, grata ao destino por haver-me permitido presenciar este tributo a
Renato Andrade, cuja viola, como a vida, é simples e grandiosa, bela e
encantadora como um verso de amores que se recita ao coração.
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