Não sei o que tem se passado comigo ultimamente.
Talvez a amarga decepção com a humanidade tenha lentamente deslocado meu olhar
para o reino da natureza, como quem, ao perder a fé nos homens, tenta buscá-la
nas plantas e nos bichos. Mas que não se confunda minha inclinação: não tenho o
menor apreço por esse costume antiquado de sequestrar uma criatura do seu
habitat, arrancá-la de seus iguais e trancá-la em uma casa, adornada com
travesseiros e coleiras, sob a desculpa de um “bem-estar” inventado. Como se a
felicidade do animal estivesse em perder sua liberdade para a estimação de
algum humano bem-intencionado.
Em menos de um mês, fui agraciado com encontros,
digamos, insólitos. Primeiramente, duas serpentes deslizaram pelo meu caminho.
Uns diriam que trazem maus presságios, outros juram que é sinal de renovação e
transformação – afinal, elas têm a exótica habilidade de largar suas peles,
como se a cada ciclo tivessem o luxo de deixar para trás o passado indesejado.
Em seguida, deparei-me com um besouro de antenas descomunais. Se o velho Egito
conferia ao escaravelho o título de amuleto da sorte, talvez devesse então
aguardar meus dias de glória.
Mas não acabou por aí. Um estranho ser rastejante
me desafiou a lógica: grande demais para ser minhoca, pequeno demais para ser
cobra. Talvez uma piada interna do universo para testar minha paciência. E para
encerrar com um toque de teatro natural, dei de cara com uma seriema, que abriu
o bico com entusiasmo no exato instante em que passamos um pelo outro. O que
dizer? Senti-me lisonjeado, como se o próprio cosmos tivesse feito um breve
espetáculo para mim. Que sejam bons augúrios, pois preciso crer que, ao menos,
a natureza ainda reserva alguma poesia para o meu desassossego.
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