A trajetória afetiva, familiar e profissional de Rosalina é
um fracasso generalizado tanto que
conseguiu para companhia em sua velhice apenas duas companheiras inseparáveis:
a solidão e a carestia. Sem dinheiro para
extravasar sua angustia em compras e viagens e com os olhos já cansados
das telas dos aparelhos eletrônicos, para matar o tempo, sai a caminhar pelas
perigosas ruas da capital paulista, para matar o tempo, controlar a ansiedade e
o estresses decorrente do ócio improdutivo. Além dos benefícios físicos da
caminhada sem destino, agrega-se a eles, o entretenimento do espírito em admirar a
arquitetura, vitrines, pessoas diferentes e apressadas, como a fugir da
própria sombra, além é claro, de ativar o
sistema de alarme corporal para não ser mais uma vítimas de crianças e
adolescentes, especializados em pequenos furtos e a mão armada. Após uma peregrinação de umas duas horas, já ao
entardecer, ela sempre retorna agradecida
não ter passado por nenhuma aventura constrangedora ou perigosa.
O roteiro preferido de Rosalina é a mais paulista de todas
as avenidas, a rica e bela av. Paulista, ela a percorre inteira, admira os
carros, os transeuntes, aprecia as
exposições temporárias do Itaú
Cultural e Fiesp, às vezes, aproveita para
adentrar ao ParqueTrianon para admirar as árvores, sempre verdes a oferecer
sombra generosa que abranda o
calor do verão e se perde em devaneios ouvindo o cantar dos pássaros, alheiros
as dores humanas, oriundas de escolha erradas e falta de oportunidades.
Rosalina procurar sentar próximo à guarita dos guardas
municipais, por uma questão de aparente segurança, já que os meliantes
paulistanos não temem as fardas, e lá, muitas vezes fica horas ruminando dores e erros do passado. Quando ela rumina,
ela é sincera, porque não teme julgamento nem censura, é uma forma de autoterapia. Se tivesse amigas, talvez, não usasse de franqueza por
medo do ridículo ou de ofender a
interlocutora. Ruminar é bom, é sincero e profundo. Falar exige raciocínio e
ponderação, principalmente nesta época
que vive-se a tirania das
minorias e das redes sociais. - Bons tempos o de sua infância - suspira Rosalina,-
quando o whatsApp era as pessoas sentadas
na calçadas nas noites quentes do verão brasileiro, conversando sobre
assuntos de família e do trabalho, comentando as noticias que ouvira no rádio
e as fofocas das revistas especializadas, ninguém falava dos próprios sentimentos e angústias.
Como não ruminar a
ingenuidade dos sonhos da infância
e adolescência da menina que um dia fora? Nascida em uma zona rural, lá nos cafundós do Judas, em
uma família de costumes rudes, que só tomavam banho aos domingos, e apenas os adultos eventualmente escovavam os dentes, quando iam
a igreja ou a cidade. Ela mesma, Rosalina, ganhou a sua primeira escova de
dente aos doze anos de idade.Vale ressaltar que
ganhou apenas a escova, e fazia a higiene bucal
usando sabonete, razão pela qual,
aos 15 anos, já tinha perdido cinco de seus dentes permanentes e até hoje, o que já gastou com implantes,
daria para comprar um carro ou um
cruzeiro internacional.
Rosalina adquiriu
o habito de ruminar ainda na infância,
porque era motivo de chacota quando expressava
o seu desejo de ser rica, famosa, viajar para vários lugares e acima de tudo,
ser amada, admirada e respeitada. Por ser morada da zona rural, começava na lida antes do nascer do sol
e parava quando ele desaparecia atrás das montes. E assim sempre fora, mesmo quando fugiu de casa para morar na capital, trabalhava
como uma mula de carga, sem falar, sem reclamar, com dores no corpo e sonhos na
alma; sonhos até hoje não realizados.
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