terça-feira, 5 de novembro de 2019

Ruminar é viver

                     
          A trajetória afetiva, familiar e profissional de Rosalina é um fracasso generalizado  tanto que conseguiu para companhia em sua velhice apenas duas companheiras inseparáveis: a solidão e a carestia. Sem dinheiro para  extravasar sua angustia em compras e viagens e com os olhos já cansados das telas dos aparelhos eletrônicos, para matar o tempo, sai a caminhar pelas perigosas ruas da capital paulista, para matar o tempo, controlar a ansiedade e o estresses decorrente do ócio improdutivo. Além dos benefícios físicos da caminhada sem destino, agrega-se a eles, o entretenimento do espírito em  admirar a  arquitetura, vitrines, pessoas diferentes e apressadas, como a fugir da própria sombra, além é claro, de ativar o  sistema de alarme corporal para não ser mais uma vítimas de crianças e adolescentes, especializados em pequenos furtos e a mão armada. Após  uma peregrinação de umas duas horas, já ao entardecer, ela sempre retorna agradecida  não ter passado por nenhuma aventura constrangedora ou perigosa.
          O roteiro preferido de Rosalina é a mais paulista de todas as avenidas, a rica e bela av. Paulista, ela a percorre inteira, admira os carros, os transeuntes, aprecia as  exposições temporárias do  Itaú Cultural e Fiesp, às vezes, aproveita para  adentrar ao ParqueTrianon para admirar as árvores, sempre verdes  a oferecer  sombra generosa  que abranda o calor do verão e se perde em devaneios ouvindo o cantar dos pássaros, alheiros as dores humanas, oriundas de escolha erradas e falta de oportunidades.
          Rosalina procurar sentar próximo à guarita dos guardas municipais, por uma questão de aparente segurança, já que os meliantes paulistanos não temem as fardas, e lá, muitas vezes fica horas ruminando  dores e erros do passado. Quando ela rumina, ela é sincera, porque não teme julgamento nem censura,  é uma forma de autoterapia. Se tivesse  amigas, talvez, não usasse de franqueza por medo do ridículo ou de ofender  a interlocutora. Ruminar é bom, é sincero e profundo. Falar exige raciocínio e ponderação, principalmente nesta época  que vive-se a  tirania das minorias e  das redes sociais. - Bons tempos o de sua infância - suspira Rosalina,- quando o whatsApp era as pessoas sentadas  na calçadas nas noites quentes do verão brasileiro, conversando sobre assuntos de família e do trabalho, comentando as noticias que ouvira no rádio e as fofocas das revistas especializadas, ninguém falava dos próprios sentimentos e angústias.
          Como não ruminar a  ingenuidade dos sonhos  da  infância e adolescência da menina que um dia fora? Nascida  em uma  zona rural, lá nos cafundós do Judas, em uma família de costumes rudes, que só tomavam banho aos domingos,  e apenas os adultos  eventualmente escovavam os dentes, quando iam a igreja ou a cidade. Ela mesma, Rosalina, ganhou a sua primeira escova de dente  aos doze anos de idade.Vale  ressaltar que ganhou apenas a escova, e fazia a higiene bucal  usando  sabonete, razão pela qual, aos 15 anos, já tinha perdido cinco de seus dentes permanentes e até hoje,  o que já gastou com implantes, daria para comprar   um carro ou  um cruzeiro internacional.
            Rosalina adquiriu o  habito de ruminar ainda na infância, porque   era motivo de chacota quando expressava o seu desejo de ser rica, famosa, viajar para vários lugares e acima de tudo, ser amada, admirada e respeitada. Por ser morada da zona rural,  começava na lida antes do nascer do sol e  parava quando ele   desaparecia atrás das montes. E assim sempre fora,  mesmo quando fugiu de casa para morar na capital, trabalhava como uma mula de carga, sem falar, sem reclamar, com dores no corpo e sonhos na alma; sonhos até hoje não realizados.

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