quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Formatura traumática



Desde tempos imemoriais o homem celebra: a partida  e o retorno da caça, o nascimento, a  maturidade e a morte, e com o surgimento da escrita e a criação  das escolas, um novo ritual nasceu: o da formatura! Acredita-se que esta celebração tem suas raízes  nas Universidades Medievais no século XI, na França e em Paris,  a cidade luz, das artes, da cultura, boemia, alta costura e gastronomia;  e na Itália, em Bolonha, a cidade vermelha que encanta moradores e turistas com os prédios  milenares em terracota e ornamentados com pórticos que cobrem as calçadas, além dos arcos que além de embelezar,  protege  o caminhante  do sol escaldante do verão e das frias e fortes chuvas durante a estação das águas. Naqueles idos tempos, o discípulo ao se tornar mestre ou  artesão, no final da cerimônia, ele recebia  um testemunho de habilidade, atualmente   conhecido como  diploma.
Tantos são os saberes e todos tem o seu espaço na sociedade e por mais simples que seja o curso, a celebração  da conclusão de um ciclo de estudos é necessária. Não importa o grau de sofisticação ou simplicidade, o que vale é celebrar a vitória em um ritual de passagem  capaz de fixar os valores da cultura dos participantes. O poder dos rituais está em sua capacidade de  devolver ao indivíduo  a consciência   de que na sociedade e na natureza deve prevalecer sempre a solidariedade, a cooperação e a interdependência  entre os homens e a terra. Durante 100 horas de aulas, alunas de um curso de capacitação de mulheres feministas efetuaram vários trabalhos para celebrar a vitória do saber sobre a ignorância.

Diz um velho adágio popular, “que o que começa  errado, termina errado”  e  mais uma  vez a sabedoria tradicional comprovou sua eficácia. O curso iniciou-se com 100 participantes, formaram 10. E as possíveis falhas serão analisadas uma a uma.
I -  A recepção – Por se tratar de um movimento   popular  voluntário,  os coordenadores não eram os mais eficazes, mas aqueles que se dispuseram a trabalhar sem remuneração e não souberam proporcionar aos iniciantes, nem uma boa acolhida, menos ainda, esclarecimentos  sobre  o movimento, seus objetivos, seu campo de atuação e sua importância para as mulheres em situação de vulnerabilidade
II - Falas contraditórias. Na tentativa de  explicar o movimento,  repetiu-se a exaustão que  lá eram todas apenas mulheres, sem distinção de classe social, étnica, credo e que não havia  qualquer vínculo com partidos políticos. Mas  já na primeira aula, a palestrante   voluntária deixou bem claro que era  militante esquerdista e  as coordenadoras se entusiasmaram e o que era para ser assunto  tipicamente feminino, terminou em uma discussão política/partidária e neste dia, já houve  várias  desistência.
III – Durante a aula inaugural, foram vendidas canecas com a logomarca do movimento, alegando que era para arrecadar fundos para a formatura e também, orientou que as estudantes as levassem em todas as aulas  para evitar o uso de copos descartáveis que  levam  mais de cem anos para se decompor na natureza e  que todas, como futuras feministas militantes, deveriam dar o  exemplo de preservação da natureza. Solicitou que todas contribuíssem  em espécie com o café que seria servido meia hora antes do início de cada aula porque algumas saiam do trabalho direto para o curso, com certeza, cansadas e famintas. Também orientou as mães que quando não tivessem com quem deixar o seu rebento, que o levasse, uma coordenadora ficaria responsável por eles. Vendeu-se um projeto fantástico!
IV - Na segunda aula, a primeira decepção: nem mesmo as coordenadoras  levaram as canecas, o café foi servido após a aula, o que impediu que muitas pudessem saciar a fome porque perderiam o último ônibus, ficando impossibilitadas de  retornar ao lar  usando transporte público e, sendo moradoras de periferia,  o preço de   um  táxi ou motorista de aplicativo estava além de suas posses, sem falar na decepção que foi a aula. Uma atividade prática para que todas percebessem que vencer na vida somente pelo trabalho é uma tarefa quase impossível e, para completar, crianças correndo, falando alto comprometendo o entendimento  da proposta  da atividade,se é que havia.
V -  Não é necessário dizer que  a evasão, que já era  grande  intensificou-se com a terceira aula: a confecção de uma boneca de pano tradicional, bonita por sinal, porém, a oficineira não  conseguiu explicar com clareza o objetivo da atividade, e  para confundir mais as egressas, na aula anterior, a palestrante  havia criticado  a tradição milenar de oferecer bonecas as meninas, alegando que já estavam preparando a menina  para a maternidade e  cuidados com casa. Ninguém ousou contestar, mas com certeza, uma dúvida  tirou o sono de muitas delas, afinal, a maternidade não é tipicamente da biologia feminina? A gestação, o parto e a amamentação são por natureza, atributos das mulheres, que  moram em casas e o cuidado do lar deve ser compartilhado com todos os moradores, assim, como a responsabilidade com os filhos, portanto, menina brincar com bonecas é saudável, sinal que será boa mãe, e o menino também deve participar das brincadeiras porque será pai e quanto mais cedo ele exercitar  a responsabilidade da paternidade melhor será para a família. E assim seguiam as aulas, sempre na contramão da proposta, que se  dizia apartidária  e  no discurso prático político/partidário e esquerdista  prevalecia,  e muitas vezes, discussões baseadas no senso comum, sem nenhum fundamento antropológico e a sala de aula cada dia mais vazia.
VI  Para angariar fundos para a formatura, foram feitos dois grandes eventos, com altos custos para as participantes, não só em tempo, mas com material e transportes. Algumas trabalham com empenho até a exaustão, enquanto outras, sequer ajudaram financeiramente. Quanto foi arrecado? Não se sabe! Não houve prestação de contas.
VII – Em virtude da incapacidade das palestrantes e coordenadoras de agregar,  espontaneamente, formou-se dois grupos, o de maior e o outro de menor poder aquisitivo o que dificultava as discussões, porque se o grupo A, falava, o B emudecia, empobrecendo assim, o debate. Entre uma animosidade e outra chegou o dia da tão esperada formatura. Aí, sim, a situação  ficou bem tensa porque grupo B deseja uma formatura simples, bem informal, já o grupo A, queria apenas  o ritual tradicional, com as bandeiras do  país, estado e município, composição da mesa, hino nacional. Falou-se em hino nacional, os  ânimos se alteraram e o grupo  B, posicionou-se contra, protestou alegando que a proposta do projeto é a desconstrução dos valores vigentes  da sociedade patriarcal, vale ressaltar que a proposta da Carta de Princípios é  o combate ao machismo e  a violência doméstica pela informação, o conhecimento dos direitos e deveres das mulheres. Sem entender  a recusa em executar a maior canção do pátria e sem disposição para discussão infrutífera, baseada  no senso comum, uma voz do grupo A se levantou e alegou que fazia questão  do protocolo, e houve aparente concordância do grupo opositor. Sem prestação  de contas, as coordenadoras alegaram que não havia dinheiro para  a formatura e ela aconteceu na garagem da casa de   uma formanda,  com o  tradicional pratinho, sem autoridades locais, imprensa, bandeiras, composição de mesa e quando a  Mestre de Cerimônia pediu que todos ficassem de pé para a audição do hino nacional, uma desagradável surpresa: a coordenadora responsável pelo som, cortou-o  pela metade e alegou problemas técnicos. Mistério! O som funcionava bem antes do hino e findo o ritual,  funcionou perfeitamente, e os vizinhos tiveram que chamar  uma viatura policial porque estavam incomodados com o som alto.

Deixe os seus comentários sobre  as dificuldades enfrentadas em sua formatura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário