sexta-feira, 7 de março de 2025

O preço do tratamento

 

E o sofrimento continuava. Já no décimo dia, o implante dental ainda doía. Dificuldades em se alimentar e falar eram constantes, e a segunda-feira de trabalho se aproximava rapidamente. Ela não podia admitir que havia cometido um erro, pois havia escolhido o dentista que podia pagar. Saíra pela metade do preço, é verdade, mas o sofrimento triplicara. Durante um velório familiar, conhecido ponto de encontro de fofocas, ela descobriu que em todos os implantes mais baratos, a dor era maior. Ainda teve que ouvir que o seu não estava tão ruim, já que fulano e sicrano tiveram os rostos tão inchados que mal conseguiam abrir os olhos.

Seria necessária muita diplomacia para lidar com aquela situação. O dentista era amigo de seu pai e, com ou sem dinheiro, a atendia em emergências. Mesmo se quisesse, não podia abandoná-lo, pois emergências futuras poderiam surgir e ela precisaria dele. Agora, era hora de se estruturar financeiramente para que os casos mais graves fossem tratados por outros profissionais.

A velhice, pensava ela, é assim: a cada dia, precisa-se fazer manutenção em alguma parte. Viver, no fim das contas, é uma labuta diária para pôr comida na mesa e consertar a máquina que é o corpo humano. Ela tinha assistido a filmes internacionais, que eram lentos, com planos longos, e percebera que em qualquer parte do mundo as mazelas humanas eram as mesmas. A luta por moradia, a necessidade de pôr comida na mesa, e os cuidados com a saúde eram universais. Para ricos e milionários, a luta diária por comida era substituída por crises existenciais.

quarta-feira, 5 de março de 2025

Quinquênios de solidão

E, quando despertou para essa realidade, percebeu que valorizava mais os outros do que eles a ela. Hoje, é tratada como tratou no passado, tolerada por educação. No passado, desprezara; hoje, é desprezada. Para comemorar essa data importante, convidou algumas pessoas conhecidas, não podendo chamá-las de amigas, para um encontro que ela própria patrocinaria. Encomendou roupas novas, caras, pois nada desejava que pudesse sugerir um par de vasos. Investiu em vestuário, numa decoração diferente e acolhedora. Tudo estava pronto, organizado. Então, a mãe de uma das convidadas, que por sinal era sua tia, faleceu. Com este falecimento, foi obrigada a transferir o evento para outra data, sem revelar a ninguém que celebrava o décimo quinto quinquênio de sua existência na terra, nesta forma humana.

Ultimamente, sentia-se um peso morto na terra. Que utilidade tinha para os outros? Nem sua presença simples era agradável. Tinha afeto, mas não tinha a quem dedicá-los. Até mesmo a beleza do versículo bíblico, que diz que do pó viemos e ao pó voltaremos, não a estimulava. O momento da morte deveria ser aceito com gratidão pela experiência terrena e pelo retorno à origem química da terra, para viver eternamente. Mas havia  Em sua jornada pelos setenta e cinco anos de existência, marcada pela contagem meticulosa de quinquênios e decênios, ela se preparou com esmero para essa data significativa. Sempre apreciou celebrar essas marcas temporais. Numa vida vivida na corrida incessante atrás do sonho de vitória, mas sem a força necessária para escapar da periferia, esqueceu-se de tecer laços de amizade e renunciou à maternidade. As pessoas, para ela, eram apenas figuras no mundo profissional, nunca companhias nas mazelas da vida.a preocupação de reencontrar aqueles que desprezara no passado. Buscou tanto pelo amor e está passando pela vida sem vivenciá-lo. Talvez, se não tivesse buscado tanto pelo amor e pelo reconhecimento de seu valor, não se sentiria apenas uma pessoa suportada no meio social.

Pelo fator religioso, temia a morte por ter que enfrentar aqueles que a precederam. Permanecer na terra significava enfrentar diariamente a solidão. Tudo o que desejava era amar e ser amada. A última coisa que desejava era apegar-se a um animal de estimação como filho, por carência de afeto. Isso não levaria a nada, pois o que desejava era o amor da sua espécie, de ser humano para ser humano. Fora agraciada com a dádiva de ter nascido como ponta da espécie, não para igualar-se a eles.

Sentia que a partida dessa parente, que atrapalhou seu aniversário, cortaria o elo da corrente de sangue que os uniu desde o nascimento, um vínculo que a convivência não consolidou. Uns vão, outros vêm, e ela, na sua eterna busca por aceitação social. De que vale viver sem se relacionar com seus semelhantes? Temia não conseguir cuidar de si na velhice, de depender dos outros. Tudo o que desejava era um sentido para sua vida. Viver em função da busca por alimento tornava a vida tão pobre; queria algo mais, como uma companhia sincera, amor e deixar um legado para a posteridade. Porém, no momento, sentia apenas o vazio existencial.

 

 

segunda-feira, 3 de março de 2025

A Dor da Solidão na Busca por Amizade

 

A vida nem sempre segue nossos desejos. Ao organizar um evento com o único objetivo de reunir mulheres da mesma idade para formar um grupo de amizades e amenizar a solidão da velhice, percebi os desafios da vida. Quando finalmente consegui um espaço, algumas convidadas e o dinheiro para o café, meu padrinho, pai de três convidadas, faleceu.

A dor da perda é ainda mais intensa, pois sua morte deixou uma marca indelével no mês do meu aniversário, tornando difícil confraternizar com os primos nessa data. A solidão se tornou minha companheira constante, e os poucos anos de vida restantes parecem agora um fardo ainda mais pesado. Com a partida de meu padrinho, sinto que o mundo ao meu redor está desmoronando e a solidão só aumenta.

Após o enterro, precisarei falar com o rapaz que cedeu o espaço para o evento e contatar as demais convidadas para marcar uma nova data. No entanto, a sensação de desamparo e abandono é esmagadora. Será que a solidão será minha companheira para o resto da vida? Quero apenas estar com alguém e ter alguns momentos em minha vida sem pensar que, ao tentar vencer, deixei de viver. Viver é relacionar-se, mas agora parece impossível.

Preciso terminar este texto e me arrumar para o velório, mas a dor é avassaladora. Com a partida de meu padrinho, percebo que nada mais prende os primos aqui. Cada um seguirá seu caminho em busca do afeto dos netos e bisnetos, enquanto eu, que não consegui gerar uma vida, me sinto seca e vazia. Continuarei à procura dos gravetos da amizade, na esperança de encontrar algum consolo em meio à imensa solidão que me cerca.

 

domingo, 2 de março de 2025

A melancolia de uma vida não vivida

 Carnaval de 2025, um sonho de alegria, Deveria ser tempo de folia, Mas minhas energias se esvaíram, Fraco corpo, que só geme, suspira.

Deitada, sem forças para me erguer, Dinheiro escasso, sem opções a escolher, Na geladeira, escassez, a busca é vã, Vida de idoso, sem açúcar, sal, e pão.

Sair para almoçar, de que valeria? Sozinha, sem ninguém que me escutaria, E mesmo com companhia, poderia confiar? Numa era de interesses, todos querem explorar.

A vida inteira, persegui três anseios: Amizade sincera, amor verdadeiro e dinheiro, Mas esses sonhos me escaparam, e a dor é crua, Cinquenta anos de trabalho, e agora estou na rua.

Carnaval sem viagem, sem hotel estrelado, Sem novos sabores, sem prazeres almejados, Minha vida é rotina, mecânica, desumana, Trabalhar e economizar, pra apenas sobreviver, é a trama.

E você, caro leitor, também se sente assim? Passou pela vida e não viveu, enfim?