quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Driblando a solidão


 Curso sobre cultura de paz? Rosalina não sabia que existia! Estava apenas aberta a novas possibilidades, desde que não envolvesse dinheiro, mas que preenchesse o  vazio  que é a vida de aposentada que não teve filhos  para que as preocupações   inerentes a todas as mães, tomasse grande do  parte de seu tempo e  sem netos, a sua vida não se renova, apenas segue o seu curso natural, a cada dia, perdendo os sentidos: o paladar  já não é mais o mesmo, a comida  fica sem sabor, não sente os cheiros como antes, está dependente dos óculos  e não ouve mais os  sons da natureza, a vitalidade e o desejo de  continuar viva diminuem a cada dia e lhe resta muito tempo para ruminar  as  suas escolhas erradas.  O sonho de  aposentar, viajar e aproveitar a vida, ficou  no passado porque  sua condição de segurada do INSS não lhe permite esta regalia, nem mesmo  uma sessão de cinema, uma peça de teatro, um  jantar em um restaurante classe média. Assim, ela criou uma estratégia para driblar a solidão: É de graça e perto de sua  casa, lá está ela. Não importa qual seja  o evento, qualquer coisa é melhor do que enfrentar os erros passados e é de suma  importância  que seja nas proximidades porque  ela não pode arcar com os custos do transporte urbanos.
Um dia,  lá estava ela no curso de tricô para a terceira idade, oferecido pela paróquia, e do nada,  surge a divulgadora de um curso grátis, que aconteceria às quarta-feira,   no mesmo espaço em que tricotam. Rosalina sequer prestou atenção no  conteúdo do curso,  fez sua inscrição e aguardou ansiosamente o  contato da coordenadora para confirmação da data e horário  para início  das aulas. A mensagem chegou mais rápido do que ela esperava, mas com um pequeno  pedido: levar um prato de doce ou salgado para um lanche comunitário. E ao final da primeira aula, outra surpresa! Pedido de uma colaboração para  os gastos com o aluguel do espaço, e transportes dos professores e palestrantes, já que eram todos voluntários. Resumo da ópera: Contribuição, lanche e motorista de aplicativo em dias de chuva,  o grátis já lhe saiu em média R$100,00 mensais. Bolso  vazio e o coração acalentado com a cultura de paz, mesmo que apenas em teoria, ela  era sempre a primeira a chegar e a ultima a  deixar o recinto, não faltou um dia sequer, chegou sem expectativa de aprendizagem, apenas de preencher o seu vazio existencial, assim, não  se decepcionou com o curso, como a maioria dos participantes, o que ficou bem evidente pela evasão que foi de mais de 50% e, muitos do que permaneceram, o fizeram apenas pela  certificação. Diante da insatisfação dos colegas  e de sua falta de parâmetro para comparação, Rosalina se preocupa em o que escrever, ao preencher a ficha de avaliação, porque, pelo que parece, somente ela gostou do curso! Como  poderia   se frustrar diante do novo se a sua rotina é: casa, supermercado,  missa, curso de crochê?

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