sexta-feira, 4 de julho de 2025

Voz no vento


Havia um silêncio bordado de lembranças naquela tarde em que o vento soprou diferente. Não era um vento qualquer — vinha de longe, com cheiro de sal, de saudade antiga, de promessas que nunca se desfazem. E, dentro dele, vinha uma voz.

Era suave, quase imperceptível, mas pulsava no ar como se fosse música. Uma voz no vento, que me chamava sem dizer meu nome, que me encontrava mesmo sem me ver. Veio de repente, entre as folhas da mangueira do quintal antigo, onde minha infância ainda corria descalça, e os passarinhos aprendiam a cantar com a mesma delicadeza com que o mundo me ensinava a sonhar.

Fechei os olhos.

E foi então que a memória me tocou com dedos de brisa: a sala onde minha mãe ouvia discos de vinil nas manhãs de domingo, a voz da Leila — clara, inteira, como se cantasse para as paredes do tempo — ecoando suave entre o cheiro do café e o barulho das folhas lá fora. Naquela época, eu não sabia o que era saudade. Mas hoje entendo: ela começa assim, como um som que o vento traz e que o coração reconhece antes da razão.

Aquela voz, escondida entre as frestas dos dias, não era apenas lembrança. Era presença. Era promessa de que tudo o que um dia foi bonito permanece. Mudado, talvez. Mais distante, talvez. Mas ainda vivo. Como aquela música. Como aquele amor que não se diz, mas que se sente no fundo do peito, mesmo quando tudo parece silêncio.

Voltei a caminhar devagar. O vento ainda soprava, leve. E lá, entre uma esquina e outra do tempo, ela continuava: a voz no vento. Uma canção que não termina. Um afeto que não se apaga. Um sussurro que me lembra: estou aqui, mesmo quando você pensa que não há mais nada.

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