sábado, 3 de outubro de 2020

Nuances

               Após uma certa idade, a vida torna-se tão repetitiva que  nem se dá conta de que independente do tempo, se sol ou chuva, o corpo segue o piloto automático  e não é diferente com Rosália, que  no auge de seus oitenta anos, acorda às 5 horas da manhã, hábito adquirido   na longínqua infância quando tinha que percorrer a pé, 3 quilômetros para chegar a escola às  07 horas em ponto. Assim, todas as manhãs iniciam exatamente  iguais: após a toalete matinal,  cama arrumada, antes do café da manhã, dedica-se aos cuidados com as plantas  do pequeno jardim.
            Seus olhos nunca cansam de apreciar  as nuances da natureza, que passam despercebidas aos  apressados. Uma folha que cai, uma flor em seu lento desabrochar e as formigas em seu  incansável vai e  vem.  Cai a flor  e nasce a semente e o ciclo recomeça  assim  também é  o ciclo da vida humana, o filho nasce, cresce reproduz e a vida continua, A maior alegria do idoso é ver suas sementes germinarem distante, com outras perspectivas de vida, mas carregando dentro de si, a alma ancestral.
            A vida urbana arrancou o homem do contato direto  com a natureza e  a pior consequência  consiste  na perda da sabedoria milenar das mulheres que durante milênios dominavam  todos os segredos das plantas e seu poder medicinal. Embora desconheça a eficácia das plantas   na cura dos males do corpo e da alma, Rosàlia  se beneficia delas  no cuidado diário e  quando os seus olhos  passeiam    extasiados sob as nuances das cores, os contornos das folhas, flores e caules  e ela se sente feliz e revigorada porque como já dizia   os sábios chineses: “Sempre a primavera, nunca as mesmas flores.” E em seu pequeno mundo verde, Rosália  é feliz porque a leitura da vida se faz com os olhos, sensibilidade e  cicatrizes passadas.

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