terça-feira, 13 de agosto de 2019

Mandrião: uma tradição que se perdeu



          É comum no idioma português uma palavra ter vários significados. Mandrião é uma delas. É alcunha  da ave marinha migratória “moleiro” da  família Stercorariidae e também já foi bastante usada para adjetivar   aquelas  pessoas  que não estudavam  nem  trabalhavam por  mera preguiça. Curiosamente, também recebe o nome, a veste tradicional do primeiro  dos sete sacramentos católicos: O  batismo. Ritual, no qual o recém-nascido deixa de ser pagão para se tornar um filho de Deus, um membro de sua igreja. O  primeiro vestido branco, longo e unissex, antigamente,  era  oferecido ao afilhado pelos padrinhos,  e  todos seguiam o costume de passá-lo  de  geração a geração. A família real britânica ainda mantém esta tradição. O modelo criado em 1841, para a  primogênita da rainha imperatriz Vitória foi usado  por 60 bebês reais. O último a desfrutar deste luxo foi Louise Windsor, filha do príncipe Edward, em 2004. Já desgastado pelos anos, está cuidadosamente preservado e foi feito uma réplica  para ser usados pelas crianças  cujo direito lhes é garantido pela tradição. Sem  delicadas rendas e caros cetins, Rosalina também ganhou um mandrião branco de seus  padrinhos, e o mantém em um lugar  seguro, mas, como não foi agraciada por Deus com a  benção da  maternidade, já se preocupa com o destino que ele terá após a sua partida definitiva, porque é uma peça impregnada de tradição e afeto e não merece ser jogado em um lixo qualquer.
          Uns  cinco anos antes do nascimento de Rosalina, aqueles que viriam a ser seus padrinhos, o casal Maldonado, foram agraciados por Deus com  uma filha a quem chamaram de  Beatriz de São José, uma homenagem à  avó materna Beatriz e ao  avô paterno o Senhor José, e  não se sabe bem porque, quando a chamavam o seu nome se estendia um pouco: Beatriz de São José, linda, educada e amorosa. Durante o pouco tempo que viveu com os seus genitores,  proporcionou-lhes, imensas alegrias, mas se foi, vítima de uma doença viral e a felicidade plena deu lugar a uma imensa tristeza que preocupava todos os parentes. Quando  Arlete, prima da Senhora Maldonado deu à luz à menina Rosalina,  ela e o esposo,  convidaram o casal Maldonado para batizar a sua primogênita, por acreditar que a responsabilidade moral  de  batizar uma criança, ocuparia um pouco  o coração da mãe órfã  aliviando assim, a dor da partida prematura de sua filha amada. Em um passado  não muito distante, batizar uma criança era uma  grande responsabilidade. Cabia aos padrinhos, na falta  dos pais,  garantir que o afilhado trilhasse os caminhos da igreja, da moral e bons costumes e o  seu sustento até  aos 21 anos de idade, quando ele já teria condições de ingressar no  mercado de trabalho e labutar a sua sobrevivência.
          Com o coração repleto de generosidade, os pais da  pequena Rosalina empreenderam uma viagem  de 55 quilômetros, a  cavalo, em  pleno inverno até a cidade dos onde residia os futuros padrinhos. O grupo era composto de três  montarias; em um veloz  alazão seguia o patriarca da família, atento aos movimentos do mato, um animal selvagem, uma cobra peçonhenta, um desconhecido mal intencionado, proteger as mulheres e o bebê era o seu dever. Um pouco atrás, em dois cavalos,  manga larga marchador, seguiam a mãe e a cunhada, que se revezavam com o bebê, para o descanso dos braços e por esta gentileza, durante toda a sua vida,  esta  mulher generosa, foi chamada de madrinha, uma forma de agradecer os cuidados durante a difícil jornada rumo ao  sagrado ritual do batismo.
Ao entardecer, exausto e empoeirados, foram recebidos com alegria e a pequena recebeu de presente, para usar na cerimônia batismal um simples e delicado mandrião branco, que sua mãe, carinhosamente o guardou até próximo  à sua morte, quando o entregou à  filha, para que se um dia,  fosse mãe,  que  os seus netos o usassem. Eles  nunca chegaram, mas a veste branca continua guardada. Para Rosalina, ela representa  o carinho de seus padrinhos que lhe proporcionou a oportunidade de perpetuar uma tradição, o amor e cuidado  de sua mãe por conservá-lo  e contar-lhe a  sua história, a solidariedade com a cunhada órfã de filha, a proteção paterna na exaustiva viagem, o pertencimento a uma família e a uma fé e gratidão a Deus por ter nascido  no seio de uma família católica apostólica romana.




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