É comum no idioma
português uma palavra ter vários significados. Mandrião é uma delas. É
alcunha da ave marinha migratória
“moleiro” da família Stercorariidae e também já foi bastante usada para adjetivar aquelas
pessoas que não estudavam nem
trabalhavam por mera preguiça.
Curiosamente, também recebe o nome, a veste tradicional do primeiro dos sete sacramentos católicos: O batismo. Ritual, no qual o recém-nascido deixa
de ser pagão para se tornar um filho de Deus, um membro de sua igreja. O primeiro vestido branco, longo e unissex,
antigamente, era oferecido ao afilhado pelos padrinhos, e
todos seguiam o costume de passá-lo de geração
a geração. A família real britânica ainda mantém esta tradição. O modelo criado
em 1841, para a primogênita da rainha
imperatriz Vitória foi usado por 60
bebês reais. O último a desfrutar deste luxo foi Louise Windsor, filha do
príncipe Edward, em 2004. Já desgastado pelos anos, está cuidadosamente
preservado e foi feito uma réplica para
ser usados pelas crianças cujo direito
lhes é garantido pela tradição. Sem
delicadas rendas e caros cetins, Rosalina também ganhou um mandrião
branco de seus padrinhos, e o mantém em
um lugar seguro, mas, como não foi
agraciada por Deus com a benção da maternidade, já se preocupa com o destino que
ele terá após a sua partida definitiva, porque é uma peça impregnada de
tradição e afeto e não merece ser jogado em um lixo qualquer.
Uns cinco anos antes do nascimento de Rosalina,
aqueles que viriam a ser seus padrinhos, o casal Maldonado, foram agraciados
por Deus com uma filha a quem chamaram
de Beatriz de São José, uma homenagem à avó materna Beatriz e ao avô paterno o Senhor José, e não se sabe bem porque, quando a chamavam o
seu nome se estendia um pouco: Beatriz de São José, linda, educada e amorosa. Durante
o pouco tempo que viveu com os seus genitores,
proporcionou-lhes, imensas alegrias, mas se foi, vítima de uma doença
viral e a felicidade plena deu lugar a uma imensa tristeza que preocupava todos
os parentes. Quando Arlete, prima da
Senhora Maldonado deu à luz à menina Rosalina,
ela e o esposo, convidaram o
casal Maldonado para batizar a sua primogênita, por acreditar que a
responsabilidade moral de batizar uma criança, ocuparia um pouco o coração da mãe órfã aliviando assim, a dor da partida prematura de
sua filha amada. Em um passado não muito
distante, batizar uma criança era uma
grande responsabilidade. Cabia aos padrinhos, na falta dos pais,
garantir que o afilhado trilhasse os caminhos da igreja, da moral e bons
costumes e o seu sustento até aos 21 anos de idade, quando ele já teria condições
de ingressar no mercado de trabalho e
labutar a sua sobrevivência.
Com o coração repleto de
generosidade, os pais da pequena
Rosalina empreenderam uma viagem de 55 quilômetros , a cavalo, em
pleno inverno até a cidade dos onde residia os futuros padrinhos. O
grupo era composto de três montarias; em
um veloz alazão seguia o patriarca da
família, atento aos movimentos do mato, um animal selvagem, uma cobra
peçonhenta, um desconhecido mal intencionado, proteger as mulheres e o bebê era
o seu dever. Um pouco atrás, em dois cavalos,
manga larga marchador, seguiam a mãe e a cunhada, que se revezavam com o
bebê, para o descanso dos braços e por esta gentileza, durante toda a sua
vida, esta mulher generosa, foi chamada de madrinha, uma
forma de agradecer os cuidados durante a difícil jornada rumo ao sagrado ritual do batismo.
Ao entardecer, exausto e empoeirados, foram recebidos com alegria e a pequena recebeu de presente, para usar na cerimônia batismal um simples e
delicado mandrião branco, que sua mãe, carinhosamente o guardou até próximo à sua morte, quando o entregou à filha, para que se um dia, fosse mãe, que os seus netos o usassem. Eles nunca
chegaram, mas a veste branca continua guardada. Para Rosalina, ela representa o carinho de seus padrinhos que lhe proporcionou
a oportunidade de perpetuar uma tradição, o amor e cuidado de sua mãe por conservá-lo e contar-lhe a sua história, a solidariedade com a cunhada órfã
de filha, a proteção paterna na exaustiva viagem, o pertencimento a uma família
e a uma fé e gratidão a Deus por ter nascido
no seio de uma família católica apostólica romana.
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