domingo, 3 de fevereiro de 2019

Bailando a tristeza



         
          Nilza  é contemporânea das feministas da década de1960 e, a exemplo das revolucionárias, abdicou da tradição familiar para  alçar voos  em  outros ares, que naquela época, acreditava-se ser o melhor para a mulher moderna e independente financeiramente. Ao completar 18 anos providenciou seus documentos, procurou trabalho, economizou e partiu de sua pacata cidade rumo à capital, na expectativa de uma vida divertida   freqüentando lugares elegantes com os amigos. Viagens ao exterior e renovação  anual do  guarda-roupa com os últimos lançamentos da moda parisiense faziam parte da bagagem. Quanta ilusão!
          Sem indicação e qualificação, levou  mais de um ano para conseguir  um trabalho. Recebia um salário mínimo que mal dava para o transporte, alimentação básica e moradia em uma casa de família em que alugou um quarto coletivo. As colegas de quarto, como ela, iludidas  com a emancipação da mulher,  não conseguiam enxergar que  sonhar é bom, porém, qualificação profissional, esforço, persistência e um pouco de sorte são necessários  para  alcançar os objetivos e assim iam vivendo os seus dias contando com a possibilidade de um milagre e enquanto ele não acontecia, percorriam lojas de ruas populares,  promoções e pontas de estoque para manter um  visual apresentável e  uma fome crônica, já que os minguados recursos mal davam para  comprar os  produtos da cesta básica nas promoções dos mercados próximos à residência ou trabalho, para economizar o dinheiro da condução e assim, no domingo, comprar algumas verduras  na xepa da feira livre.
          Nos vinte anos  em que viveu no interior, Nilza queixava-se das poucas oportunidades de lazer que a cidade oferecia: missa  diária, festas  do calendário  católico: solenidades da semana santa, pentecostes,  dia de finado, natal. Alguns casamentos e batizados, festa do padroeiro da cidade, aniversário da cidade e barzinhos e restaurantes, e aos sócios do clube, as atividades   exclusivas para os freqüentadores. Para ela era pouco, queria mais.  O sonho de  desfrutar da  riqueza cultura  da capital foi por terra com a  velocidade de um tornado. Trabalhava muito, ganhava  pouco e estava sempre cansada e sem dinheiro, nem  das atividades religiosas participava mais porque mesmo sendo abertas  à comunidade, não dispunha de tempo e do dinheiro para a   condução.  Em meio a desilusão e carestia, passaram-se trinta anos e  ela deixou a dura vida de trabalhadora e pode enfim, gozar o privilégio da aposentadoria  e, ingenuamente acreditou  que enfim, iria encontrar um pouco de diversão e alegria.
          Tão logo sentiu o peso do ócio,  saiu em busca de afazeres que pudesse preencher o seu vazio existencial, e  novamente encontrou a barreira de seus parcos recursos. O que lhe restou? Atividades grátis ou  a  preços módicos  e um novo círculo de amizades com pessoas com o mesmo perfil: pobres, solitárias e desiludidas.  Diante da impossibilidade de realizar os sonhos acalentados de fazer um cruzeiro, uma viagem internacional, freqüentar restaurantes elegantes, aceitou o convite das amigas para um baile popular da terceira idade, na expectativa de encontrar um  cavalheiro  para conversar, dançar e talvez  até quem sabe, iniciar um namorico, porém, já na entrada, percebeu que apenas acrescentaria mais uma desilusão em sua vida.  Em virtude da escassez de cavalheiros, os organizadores contratam monitores para dançar com as mulheres e, assim, a noite que prometia muito,  ficou resumida à  cinco horas sentada, em silêncio, porque  o som alto não permitia  conversa, e mesmo se o ambiente   permitisse diálogo, nada haveria a dizer porque em suas vidas acumularam apenas frustrações e tardiamente perceberam  a sabedoria das avós que diziam “que a vida se renova com os filhos, netos e bisnetos!”


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