domingo, 24 de agosto de 2025

O Arco-Íris no Chão

 

Era pouco depois das sete da manhã quando a luz entrou — não invadindo, mas pedindo licença pelas frestas da persiana mal abaixada. No minúsculo apartamento do quarto andar, entre uma pilha de livros esquecidos e uma planta que ainda insistia em crescer, algo aconteceu. Um feixe de luz atravessou o copo de vidro deixado na mesa da noite anterior e se partiu em sete. Um arco-íris, tímido e pequeno, se desenhou no chão.

O morador do 7 — nome irrelevante para esta história — estava sozinho, como sempre. A solidão já era mobília antiga, mais presente que a geladeira ou o sofá manchado. Mas aquela manhã era diferente. O homem, em sua rotina exata de silêncio e café preto, parou. Havia um arco-íris no chão do seu apartamento.

Na física, sabemos: é apenas refração da luz. Mas no coração, era mais.

As três maiores religiões monoteístas também acreditam que arco-íris não são só fenômenos ópticos. No judaísmo, o arco-íris é pacto — o sinal de Deus a Noé de que nunca mais destruiria a Terra com um dilúvio. Um lembrete de que mesmo após o fim, há promessa de recomeço.

No cristianismo, é ponte entre o divino e o humano. Um céu que se dobra para tocar o chão, como se Deus quisesse lembrar ao homem que ainda está por perto, mesmo quando tudo parece em ruínas.

No Islã, embora o arco-íris não tenha a mesma centralidade, há a reverência às cores como manifestação da criação. O profeta Muhammad teria falado sobre os sinais de Allah em tudo — e quem vê um arco-íris sem sentir reverência talvez precise reaprender a olhar.

Entre os povos originários das Américas, o arco-íris também foi mais que cor. Para os maias, era ligado à deusa Ix Chel, senhora da lua, da fertilidade e dos ciclos da vida — um presságio de mudança. Para os incas, ponte para o mundo espiritual. E os astecas viam nele um sinal de comunicação entre os deuses e a terra. Um código secreto em cores.

Deitado no chão, com os olhos fixos naquele fragmento de luz colorida, o homem não pensava em tudo isso — mas talvez sentisse. A beleza sem motivo, a aparição breve, a lembrança de que algo fora do comum ainda pode acontecer, mesmo num espaço de 28 metros quadrados.

Quando o sol girou e o arco-íris se desfez, ele permaneceu ali mais um tempo. Sabia que não voltaria amanhã, ou talvez nunca mais. Mas bastou um. Um arco-íris no chão. Um instante de paz. Um pacto silencioso com algo maior — fosse Deus, fosse a luz, fosse ele mesmo.

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