Havia um silêncio bordado de lembranças naquela tarde em que o vento soprou diferente. Não era apenas o balançar das árvores ou o farfalhar das folhas secas na calçada. Havia algo ali — algo delicado, quase imperceptível — que me chamava sem urgência, como quem sussurra segredos antigos aos ouvidos do tempo.
Foi então que eu ouvi.
Uma voz no vento. Suave, distante, feita de bruma e melodia. Ela vinha como um sopro vindo do mar, carregando histórias que nunca foram ditas, mas que sempre habitaram dentro de mim. Era uma canção sem letra, um murmúrio que lembrava infância e ausência, uma ternura que não se explicava — só se sentia.
Lembrei-me de quando minha mãe cantarolava distraída na cozinha, sem saber que sua voz trançava afetos no ar. As janelas abertas, o sol desenhando sombras nas paredes, o rádio tocando Leila Pinheiro com aquela suavidade que parecia conversar com o vento. Era como se a própria casa respirasse a música, como se cada canto soubesse guardar os ecos de um amor que ainda não tinha nome.
Hoje, tantos anos depois, essa mesma voz volta com o vento. Não sei se é lembrança, imaginação ou presença. Talvez seja tudo isso junto. Uma saudade que não dói, mas embriaga. Uma memória que não pede explicações — apenas companhia.
A música falava de silêncio, de ausências que não se explicam, de espaços deixados por alguém que partiu, mas não foi embora de verdade. E naquele momento, entendi: certas vozes nunca desaparecem. Elas se escondem no som das conchas, no assobio das esquinas, na brisa que vem ao entardecer. Elas voltam sempre que o coração se abre ao sutil.
Fechei os olhos, e por um instante, fui outra vez aquela criança encostada na varanda, ouvindo o mundo como quem escuta uma promessa. A voz continuava ali, dançando entre as folhas, misturada ao cheiro da terra molhada, ao tempo que passou devagar.
Era ela. Era sempre ela.
Uma voz no vento. Um amor que nunca partiu. Uma canção feita de silêncio, espera e eternidade.