segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

O estilingue

                Os cabelos de  João Francisco eram ruivos e brilhavam como raios de sol.  Tinha olhos verdes e faces rosadas.  as  pessoas eram unânimes ao dizer,  ser ele,   o menino mais bonito da cidade, mas ele não ficava vaidoso. Estava acostumando com a beleza,  porque morava em uma mansão, com um jardim  mais belo que os da Babilônia, construídos por Nabucodonosor.   Além de belo, era também rico e inteligente. Segundo diziam os   funcionários que trabalhavam para a família:  uma criança especial, humilde e amorosa,  não tinha em seu vocabulário nem em seu coração palavras como discriminação, rancor, vingança. Nas palavras da babá – Mais parece um anjo que habita entre nós, tamanha é a bondade de  sua  alma jovem.
                Tradicionalmente   presenteia-se as crianças, mesmo as milionárias como João  Francisco. E um tio, voltando de uma excursão, trouxe-lhe um presente inusitado: Um estilingue. O presente  causou  revolta  nos funcionários da mansão. – Tio avarento assim é melhor não ter. Presentear uma criança como a nossa, com estilingue, francamente! – dizia revoltado o jardineiro.
                O presenteado transbordava de alegria! Acostumado  com a tecnologia de ponta, este foi o melhor presente que ganhou em toda a sua vida. A única coisa que lhe deixava insatisfeito e intrigado, é que, pela primeira vez, os filhos dos funcionários mão mostram entusiasmo para  brincar com ele. Como desconhecia  o funcionamento do estilingue só lhe restava  observá-lo,  já que não veio com o manual de instruções, não tinha pilha nem bateria. O tio não tivera tempo de brincar com ele, seus pais se encontravam em uma longa viagem de negócios. O que fazer? Como desvendar o mistério do brinquedo?
                João Francisco lembrou do seu bisavô, um veterano de guerra, ele sim, não conheceria o brinquedo, como também brincaria com ele. Pediu ao motorista para leva-lo à   casa  do patriarca da família. Impossível saber quem estava mais feliz: O  garoto que aprendera a usar o estilingue ou o ancião, que esquecendo o peso dos anos revivia a sua infância. Bom tempos aqueles! O alvo, não poderia ser outra coisa, senão os troféus  que  o bisavô recebera ao longo de sua carreira militar e esportiva. O menino não só aprendeu rápido, como também tinha excelente pontaria. – Honra o sangue dos  Vieiras que corre em  suas veias ! – dizia  cheia de orgulho, o bisavô.
                João Francisco passava horas no jardim brincando, usava como alvo os bibelôs de  bronze, esculturas dos jardins. Retornando de viagem, o  primogênito do jardineiro, um adolescente uns sete mais velho que ele disse: Rapaz, estilingue  não é brinquedo, é uma arma. Serve para caçar passarinhos, coelhos e outros pequenos animais. Usar um estilingue para acertar um pássaro de bronze, é ridículo.
                Tanto falou das emoções da caça, que convenceu João Francisco,  a escolher um alvo vivo. Qualquer um dos pombos do jardim, são tantos que ninguém notará, disse o filho  do jardineiro. Fez uma demonstração, tinha uma péssima pontaria e não acertou. – Agora é sua vez. É fácil, coragem! Mire a cabeça e não erre, como eu.
                Estranho o que ele sentia diante de sua vítima. Um sentimento desconhecido, porém, angustiante: _ Eu o matei por diversão, por prazer. Que direito tenho eu de tirar uma vida? Dizia consigo. Por muito tempo ficou parado olhando a natureza a sua volta. A grama verde, as árvores, flores, as borboleta e os pássaros. Um louva – a – deus pousa em sua mão. Olhando-o João Francisco teve consciência que havida cometido   um crime   ambiental.  Pela primeira vez sentiu remorso.  Novamente, olha a cabeça despedaçada do pombo. Pela primeira vez, lágrimas  brotaram   em  seus olhos verdes, seu coração parecia pequeno para abrigar tanta dor.


               
               


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