sexta-feira, 11 de abril de 2025

Os Herdeiros do Nada

 

Na velha casa de janelas fechadas, o tempo parecia conspirar contra aqueles que ainda ali estavam. Os irmãos, agora órfãos, vagueavam pelos corredores abarrotados de memórias que não lhes pertenciam mais inteiramente. A vida, que outrora prosperara entre as paredes robustas de tijolos, era agora um espectro nebuloso de batalhas não finalizadas e silêncios incômodos.

Amália, a mais velha, lembrava-se das noites em que o pai, exausto, depositava sobre a mesa o fruto do trabalho que o fizera curvar-se cedo demais. Ele dizia, com um orgulho singular: "Tudo isso será de vocês, um dia." Mas aquele "um dia" se tornara um penhasco infindável, onde sonhos eram jogados ao vento e jamais retornavam.

O advogado, a quem confiaram a transição do que era promessa em realidade, parecia mover-se à velocidade do gotejar das velhas torneiras da casa. Era um homem de palavras mansas, um sorriso que sugeria calma, mas que escondia um ritmo letárgico que sufocava qualquer esperança. Em cada reunião, evitava respostas claras, desviava o olhar e, como um mágico que adiava o grand finale, nada concluía. “Está tudo em andamento”, repetia ele, em sua voz adocicada, enquanto deixava os herdeiros emaranhados em angústias que não conseguiam nomear.

Os irmãos começaram a duvidar. Não apenas do advogado, mas de si mesmos. Poderiam, algum dia, romper o ciclo de incerteza e tomar o que lhes era de direito? Ou seriam condenados a ser os guardiões de um vazio herdeiro, carregando o peso de um legado que os prendia como âncoras em um rio lodoso?

Amália, que nunca quisera confrontar a realidade, agora encarava o abismo: “Os bens dos pais não foram conquistas, mas correntes.” O que era pior do que a ausência dos pais? Ela sabia. Era enfrentar o inventário de suas vidas, guiados por alguém que os fazia tropeçar a cada passo, em uma dança interminável de adiamentos e inércia.

E assim, naquela velha casa, onde os ecos do passado se confundiam com a demora do presente, eles esperavam. Mas em suas almas crescia, como erva daninha, a ideia de que talvez estivessem destinados a jamais possuir aquilo que já era, por direito, deles.


 

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