quarta-feira, 16 de abril de 2025

O Eco das Perguntas Não Feitas


Tomada pelo peso da consciência, a protagonista se vê em um profundo mar de tormentas. Ela lamenta, com amarga contrição, ter ferido os alicerces de uma mãe de família, tudo em nome de uma ânsia desenfreada por concretizar um acordo. Em meio à inquietação de sua alma, sente que suas habilidades em negociar, buscar por justiça e agir retamente estão se esvaindo, como areia entre os dedos da razão.

Foi apenas ao término da fatídica sessão de negociação que a cruel epifania lhe arrebatou a mente: deveria ela ter feito as perguntas mais básicas, aquelas que, de forma pungente, poderiam mudar os destinos. A executada reconhecia a dívida? A festa não teria ocorrido, por que então a contratante estava sob a sombra impiedosa da execução? Consumida pelo remorso, percebe que deveria ter guiado a mulher prejudicada à defensoria pública, que poderia prover-lhe um advogado.

Agora, resignada à dor eterna, percebe que foi cúmplice, ainda que sem intenção maligna, do ardiloso plano de uma pessoa de má fé e de seu advogado similar. Neste processo, a senhora foi constrangida a arcar com uma dívida inexplicável, que dela roubou o sustento, usurpando o pão da boca de uma criança para saciar a avidez dos espertos. Num apelo desesperado, clama ao Divino para que abençoe e ilumine aquela mulher, que ela prospere e não conheça jamais a fome ou a carência.

A protagonista, em seu arrependimento profundo, sente-se traidora de seu próprio propósito, executando seu serviço com falhas, distante da justiça e da competência que outrora eram seu norte. A mácula do passado recai sobre ela novamente, acusando-a de um erro semelhante: focar em resultados e não na excelência do serviço prestado. Entre súplicas e lágrimas, ela roga ao Senhor para proteger a mulher que injustamente foi prejudicada e implora por perdão para sua falha, pedindo sabedoria para jamais repetir tal deslize.

 

domingo, 13 de abril de 2025

A Solidão do Coração Generoso



Era uma manhã de domingo, e ela, já não senhora de sua própria vida, caminhava por entre as sombras de suas próprias expectativas. Por mais que tentasse, com fervor, direcionar seu olhar para as necessidades que pulsavam dentro de si, a balança do dar e receber permanecia desiquilibrada. Continuava a oferecer-se, a se desdobrar em mil favores, sem que seu esforço fosse reconhecido.

Naquela manhã, a única ação que se permitira em nome de seu próprio desejo fora a ida à procissão de ramos, onde nutria a esperança de encontrar um homem de Deus, alguém que pudesse compartilhar de sua jornada. Contudo, entre os poucos que compareceram, os homens se dividiam em dois grupos: os casados, que levavam consigo o peso de promessas feitas, e os jovens demais, que ainda não conheciam o amor em sua plenitude.

Após a procissão, o resto da manhã se esvaiu em favores alheios. Dirigiu-se à casa de uma conhecida que viajara, para cuidar dos cachorros que, com olhares tristes, aguardavam por carinho. Em seguida, foi ao apartamento de outra amiga, onde alimentou o periquito que, em sua gaiola, piava como se também sentisse a solidão da dona. E, por fim, ainda teve tempo de verificar se a poda da árvore seca no quintal de seu irmão fora realizada. Ele, que morava em outra cidade, deixara a casa fechada, e ela, com um olhar atento, observava tudo sem receber nada em troca.

Quando o relógio anunciou a hora do almoço, ela se dirigiu à cozinha, enquanto os outros se divertiam, alheios à sua dor silenciosa. Assim, a solidão a envolvia como um manto pesado, e seu coração generoso, que tanto se entregava, permanecia à mercê da indiferença.

sexta-feira, 11 de abril de 2025

Os Herdeiros do Nada

 

Na velha casa de janelas fechadas, o tempo parecia conspirar contra aqueles que ainda ali estavam. Os irmãos, agora órfãos, vagueavam pelos corredores abarrotados de memórias que não lhes pertenciam mais inteiramente. A vida, que outrora prosperara entre as paredes robustas de tijolos, era agora um espectro nebuloso de batalhas não finalizadas e silêncios incômodos.

Amália, a mais velha, lembrava-se das noites em que o pai, exausto, depositava sobre a mesa o fruto do trabalho que o fizera curvar-se cedo demais. Ele dizia, com um orgulho singular: "Tudo isso será de vocês, um dia." Mas aquele "um dia" se tornara um penhasco infindável, onde sonhos eram jogados ao vento e jamais retornavam.

O advogado, a quem confiaram a transição do que era promessa em realidade, parecia mover-se à velocidade do gotejar das velhas torneiras da casa. Era um homem de palavras mansas, um sorriso que sugeria calma, mas que escondia um ritmo letárgico que sufocava qualquer esperança. Em cada reunião, evitava respostas claras, desviava o olhar e, como um mágico que adiava o grand finale, nada concluía. “Está tudo em andamento”, repetia ele, em sua voz adocicada, enquanto deixava os herdeiros emaranhados em angústias que não conseguiam nomear.

Os irmãos começaram a duvidar. Não apenas do advogado, mas de si mesmos. Poderiam, algum dia, romper o ciclo de incerteza e tomar o que lhes era de direito? Ou seriam condenados a ser os guardiões de um vazio herdeiro, carregando o peso de um legado que os prendia como âncoras em um rio lodoso?

Amália, que nunca quisera confrontar a realidade, agora encarava o abismo: “Os bens dos pais não foram conquistas, mas correntes.” O que era pior do que a ausência dos pais? Ela sabia. Era enfrentar o inventário de suas vidas, guiados por alguém que os fazia tropeçar a cada passo, em uma dança interminável de adiamentos e inércia.

E assim, naquela velha casa, onde os ecos do passado se confundiam com a demora do presente, eles esperavam. Mas em suas almas crescia, como erva daninha, a ideia de que talvez estivessem destinados a jamais possuir aquilo que já era, por direito, deles.


 

quinta-feira, 3 de abril de 2025

Sacrifícios da primeira esposa

       

Sob o céu abrasador de um amanhecer quente, a rotina desdobrava-se numa monotonia inexorável. Era o cenário de uma vida marcada pela parcimônia, onde o café da manhã limitava-se a pão com margarina e o aroma do café caro tornava-se um luxo inalcançável. A repetição evocava memórias de uma juventude desprovida, em que o pão seco era o único companheiro de um chá feito das folhas humildes do quintal. A fome, companheira inseparável nas salas escolares, intensificava-se ao contraste do cheiro da sopa ou do chocolate, destinados apenas a alguns.

Ao retornar ao lar, a mesa não oferecia mais que arroz e feijão, repetidos à exaustão no almoço e na janta. Verduras do quintal apareciam ocasionalmente, adicionando um toque de verde à árida paisagem alimentar. Cada vestígio de lazer ou vaidade era sacrificado em prol de um patrimônio que hoje se encontra fora de alcance.

As roupas passavam de mãos em mãos, de irmãs mais velhas às mais jovens, enquanto os cadernos e livros eram apagados e reutilizados, ecoando os anos de escassez. Cortes de cabelo improvisados e a ausência de adereços tornavam a igreja o único refúgio possível, ainda que, tantas vezes, faltasse a moeda para a coleta.

A dor do injustiçado ressoava de forma pungente: o suor da primeira esposa e dos filhos, sua abnegação, foram transformados em benefícios para uma segunda união e seus herdeiros. Uma legislação que traça linhas insensíveis desfaz o que outrora foi erguido com sacrifício. Aquilo que advém de histórias passadas não deveria ser compartilhado com o novo cônjuge, mas sim reservado ao que foi conquistado em esforço mútuo — embora este seja raro, frente à velha prática de enriquecer por matrimônio.

Somente quem carrega o peso de ver os frutos de sua luta desfeitos pode compreender a dor visceral que isso acarreta. E, como se não bastasse, governos sem direção agravam as feridas, retirando do trabalhador até mesmo o merecido descanso da aposentadoria. Assim, a dor perpetua-se, invisível e gritante, na alma daquele que ainda acredita na justiça.