domingo, 19 de março de 2023

Prova de vida

                 

        Fui aluna de  Marília  durante os dois últimos anos de faculdade e, como morávamos  mesmo bairro, retornávamos  juntas,  de Metrô, para casa, pois sempre foi perigoso paras mulheres sozinhas circularem à noite, antes, por medo dos animais silvestres  noturnos e hoje, por temor a própria espécie, que  ao contrários dos  outros mamíferos/carnívoros, que atacam somente quando acuados e para matar a fome, o bicho/homem ataca, com requinte de crueldade, apenas pelo prazer de ver o medo estampado no rosto da vítima. A relação mestra/aluna evoluiu para sincera e longa amizade.

        Marília chegou aos 80 anos com boa saúde física, porém, o que é característica dos últimos anos de vida, ela não ficou imune, está com perda de memória recente  e por  inúmeras vezes, quando incendiou a casa,  isto somente não aconteceu porque  o seu olfato ainda resiste, ao contrário da  visão, audição que já se perderam nas brumas do tempo. Mas o INSS, não perdoa, tem que fazer a “ prova de vida” provar que ainda perambula neste mundo e faz jus aos parcos recursos pagos pela Instituição.

        A sobrinha neta,  sempre a atenta a este detalhe, pediu que eu  acompanhasse a tia; para   cumprir com a obrigação anual, deixou  os documentos e endereço  juntos, dentro de uma pasta e lá fomos nós, para a alegria da octogenária, que manteve firme a ideia de  irmos a uma pastelaria famosa no centro da cidade,  a qual ela foi assídua frequentadora em sua juventude e idade madura. Foi um dia difícil, ela esquecia porque estamos lá e dezenas de vezes, tive que lembrá-la  a razão de termos saído de  casa. A experiência serviu para chamar a minha atenção para o peso dos anos, e, que o mais prudente a fazer, é ficar atenta a formação de novos hábitos que facilitarão, quando a memória faltar, pois quem não fica pelo meio do caminho, fatalmente, irá enfrentar   a perda de memória recente.

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