sábado, 17 de julho de 2021

Rotina de domingo

     Na casa ao lado um adolescente estuda uma lição de violão, percebe-se que ele é um iniciante desprovido de talento  e o que realmente se ouve é  um monótono “ quem que pão, quem que pão”.  De longe, há  também o som desagradável do carro dos ovos que desvaloriza  o produto das galinhas, já que uma bandeja  com trinta unidades custa apenas  quinze reais. Rapidamente   automóvel é cercado por donas de casa a tagarelar e não se pode  mais conversar dentro de casa e quando finalmente, o adolescentes  se cansa e  a venda termina, soa a campainha, Testemunhas de Jeová oferecem uma vida terrena  de felicidade  plena somente àqueles que aceitarem Jesus em seu coração e após  o  Juízo Final,  uma vida de gloria no Paraíso Celestial.

        Ora, ninguém precisa de tanta felicidade, e sem o sofrimento e as privações  inerentes à vida não há a consciência dos bons momentos, e quanto  as delícias do  paraíso judaico/cristão, sempre paira uma dúvida: E os povos que vieram antes dos  patriarcas Noé, Abraão e Moisés   não serão agraciados com dádivas celestiais?

        Mimi, a  pequinina  gatinha, anda agitada pela casa miando sem parar, não se sabe se de fome, saudade de algum bichano que conheceu nos telhados vizinhos ou apenas incomodada com a barulheira externa e  das vozes do exército de Jeová que se entusiasmam com a pregação e elevam o tom. Se ela  tivesse o dom da fala, contaria coisas interessantes segundo a  visão partir de  uma felina acostumada com a vida urbana, sem no entanto, ter perdido o seu instinto selvagem.

         Com a partida dos evangélicos, o distanciamento do carro dos ovos e a pausa nas aulas de música, o silêncio impera e até a gata mimi  para de miar e  opta por repousar preguiçosamente  e tomar o  um banho de sol   na janela. Dentro das casas, a vida segue o ritmo natural dos domingos ensolarados. Alguns almejando  um “bate e volta” a praia, outros sonhando  em levar as crianças ao parque Ibirapuera, contam o dinheiro e aí, percebem que a única alternativa é ficar em casa assistindo televisão.

        Reclamar da programação da TV aberta  é uma prática  de quase 100% da população brasileira, porém, quem mora em residências pequenas, ela é mais que um entretenimento, é  o terapeuta familiar. Familiares aglomerando por longas horas, sem dinheiro para desfrutar de um merecido lazer, o assunto acaba e sem poder desfrutar dos prazeres de uma mesa farta, deixar-se anestesiar pela programação da televisão, a única opção  que resta  as pessoas de baixa renda e  a monotonia dos domingos é quebrada pelos vendedores de rua  e sons dos vizinhos que sonham com o estrelado no universo musical.

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