terça-feira, 19 de novembro de 2024

No Dia da Bandeira: Reflexões de Um Brasileiro

 

Na praça central da minha cidade, ergue-se um mastro altíssimo. Lá no alto, tremula altaneira a Bandeira Nacional, sempre presente, mas nem sempre notada. Hoje, 19 de novembro, ela parece ter despertado mais olhares, embora ainda resista em silêncio, como quem observa, paciente, o vai e vem apressado da vida.

Verde, amarelo, azul e branco. Cores tão familiares que, para muitos, tornaram-se banais. Mas, ali, ao encarar o movimento suave daquele tecido ao vento, percebo que a bandeira é muito mais do que um simples símbolo. É como um álbum de memórias tecido em seda e história, carregando as glórias, lutas e esperanças que nos trouxeram até aqui.

Lembro-me das aulas da infância, quando o hino ecoava nas manhãs de segunda-feira e a bandeira era hasteada sob nossos olhos infantis. Naquele tempo, o significado de "Ordem e Progresso" era um mistério, e as cores da bandeira, apenas um exercício de decoração nos cadernos. Hoje, cada linha, cada tom carrega um peso maior, refletindo as complexidades de ser brasileiro: as contradições, as riquezas culturais, a capacidade de recomeçar.

Penso também em como negligenciamos, às vezes, esse símbolo. Quantas vezes a bandeira fica esquecida, dobrada em algum canto, enquanto os desafios do dia a dia nos afastam do senso de pertencimento? É fácil perder de vista o que ela representa: não apenas um pedaço de tecido, mas uma conexão invisível entre milhões de histórias, passadas e presentes.

Neste 19 de novembro, minha reflexão é simples: respeitar a bandeira é, antes de tudo, respeitar a nós mesmos. Não é um gesto vazio ou cerimonial. É um lembrete de que, apesar das diferenças, existe algo que nos une. Somos versos distintos compondo um mesmo poema, e a bandeira é a métrica que dá ritmo à nossa identidade.

Ao final do dia, quando o sol se despede e a bandeira ainda tremula na praça, sinto um misto de orgulho e responsabilidade. Que o "Ordem e Progresso" inscrito nela não seja apenas uma promessa distante, mas uma construção diária. Afinal, a bandeira é nossa – e nós somos dela.

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Encontros com o Irônico Oráculo da Natureza

 

Não sei o que tem se passado comigo ultimamente. Talvez a amarga decepção com a humanidade tenha lentamente deslocado meu olhar para o reino da natureza, como quem, ao perder a fé nos homens, tenta buscá-la nas plantas e nos bichos. Mas que não se confunda minha inclinação: não tenho o menor apreço por esse costume antiquado de sequestrar uma criatura do seu habitat, arrancá-la de seus iguais e trancá-la em uma casa, adornada com travesseiros e coleiras, sob a desculpa de um “bem-estar” inventado. Como se a felicidade do animal estivesse em perder sua liberdade para a estimação de algum humano bem-intencionado.

Em menos de um mês, fui agraciado com encontros, digamos, insólitos. Primeiramente, duas serpentes deslizaram pelo meu caminho. Uns diriam que trazem maus presságios, outros juram que é sinal de renovação e transformação – afinal, elas têm a exótica habilidade de largar suas peles, como se a cada ciclo tivessem o luxo de deixar para trás o passado indesejado. Em seguida, deparei-me com um besouro de antenas descomunais. Se o velho Egito conferia ao escaravelho o título de amuleto da sorte, talvez devesse então aguardar meus dias de glória.

Mas não acabou por aí. Um estranho ser rastejante me desafiou a lógica: grande demais para ser minhoca, pequeno demais para ser cobra. Talvez uma piada interna do universo para testar minha paciência. E para encerrar com um toque de teatro natural, dei de cara com uma seriema, que abriu o bico com entusiasmo no exato instante em que passamos um pelo outro. O que dizer? Senti-me lisonjeado, como se o próprio cosmos tivesse feito um breve espetáculo para mim. Que sejam bons augúrios, pois preciso crer que, ao menos, a natureza ainda reserva alguma poesia para o meu desassossego.

 

terça-feira, 12 de novembro de 2024

O Guardião do Crepúsculo: Uma Amizade Inesperada

 

Pelos encantados e misteriosos caminhos de Minas, deparei-me com um simpático sapo, desses que parecem saídos das histórias antigas, onde animais e homens se entendem em silêncios e gestos. Imediatamente, uma ideia peculiar me ocorreu: por que não contratá-lo como um aliado natural, capaz de combater as pequenas pragas que insistem em perturbar a tranquilidade de minha casa? Afinal, no requintado cardápio deste pequeno guardião habitam aranhas, besouros, gafanhotos, pernilongos, moscas, formigas… Dizem que um sapo adulto é capaz de devorar, num só dia, o equivalente a três xícaras cheias de moscas.

E o mais extraordinário de tudo é a proteção que carrega consigo: a pele desse simpático anfíbio exala substâncias que o guardam de bactérias e fungos, o que torna a convivência com ele mais segura do que com os amáveis cães ou gatos. Em minha mente já começo a visualizar este novo companheiro como um funcionário dedicado, o sapo de olhos serenos e hábitos noturnos, velando pelo bem-estar de meu lar.

Entretanto, duas dúvidas me tomam o coração: primeiramente, no equilíbrio da natureza, sei que o sapo é a presa da serpente. Temo, com isso, que sua presença venha a atrair as peçonhentas para perto de minha morada, trazendo um risco inesperado. E, quando meu amigo tiver concluído sua missão de livrar-me das pragas, o que farei? Como alimentarei aquele que, em sua lealdade e simplicidade, terá conquistado minha estima? Imagino que, com o tempo, a convivência estreite nossos laços e, ao final, não serei capaz de “demiti-lo”, pois nossa amizade será mais forte do que qualquer contrato.

sábado, 9 de novembro de 2024

Flores que alimentam o futuro

 

A doce laranjeira, enfim, vestiu-se de flores pela primeira vez! Essa planta singela foi plantada a pedido de um velho sábio, cujas forças já foram minadas pelo peso dos janeiros em seus ombros e pela lida do campo; bem sabia ele, que toda fartura brota do seio da terra e que a semente lançada ao solo há de precisar de mãos vigorosas e um coração generoso para florescer nos campos do amanhã. Agora, das estrelas, ele talvez contemple, com os olhos plenos de gratidão, a suave beleza de cada florzinha alva, sabendo que, um dia, seus frutos hão de alimentar alguém – fosse de seu sangue ou não, que importa? Pois sempre viveu com o propósito de plantar e colher para todos, espalhando alimento a quem viesse, fosse homem, fosse pássaro, fosse animal. Primeiro virão as abelhas com seu canto de zumbidos, depois os sabiás e, por fim, os periquitos esvoaçantes, cumprindo o ciclo que ele tanto prezava. Alimento para todos: era esse, eternamente, o seu desejo. (IA)

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Tributo a Renato Andrade e ao som da alma caipira

Eis que me ponho a discorrer sobre os prós e os contratempos de habitar uma vila acanhada, dessas onde a brisa leva devagar os dias, mas os traz de volta com escassez de encantos e manifestações culturais ao gosto de um povo simples. Ora, as apresentações que se oferecem aos moradores, mesmo quando chegam como novidades, custam muitas vezes o esforço de um fidalgo, sem jamais corresponder à excelência de uma noite de veras esplêndida.

Foi então que, ontem, me acometeu uma grata surpresa: um tributo digno ao mestre incomparável da viola caipira, Renato Andrade. Esse virtuoso, nascido em Abaeté num agosto do ano de 1932, alçou-se à glória não apenas como músico, mas como um verdadeiro poeta dos acordes. A trajetória de Renato é curiosa e valente: levado ainda jovem à capital, Belo Horizonte, para aprimorar-se ao violino, retornou um tempo depois à sua terra, onde escutou, como quem ouve o chamado de uma musa, o som da viola caipira. E ali, enamorado do instrumento, prometeu-lhe devoção eterna, a ponto de entrelaçar o popular e o erudito, emoldurando a viola em salões de concerto, como se fizesse justiça à grandeza que tão bem sabia habitar em suas cordas. Seu primeiro trabalho solo, "A Fantástica Viola de Renato Andrade", é relíquia de 1977, uma obra que faz jus à reputação do artista.

Oh, e que fortuna a minha: essa homenagem era franca! Era-lhe comum, segundo dizem, proferir gracejos tais como: “A viola é como a mortadela: todo mundo gosta, mas ninguém quer comer à vista dos outros.” E que me perdoe o poeta violeiro, pois não aprecio a mortadela; todavia, a viola, ah! essa pulsa em meu peito, enlevando-me com o sortilégio de sua sonoridade.

Aos que amo na arte da viola, após, bem o sabem, o ilustre Renato Andrade, incluo Tião Carreiro, Almir Sater, e Helena Meireles. Que benesse é ouvir-lhes os solos, especialmente em dias em que a procrastinação me acomete e os ânimos parecem esquecidos. Pois nada, senhores, eleva o espírito e desperta a disposição como o som da nossa querida viola. Com ela, a melancolia perde força, e a procrastinação se desvanece como névoa à luz do sol.

Sou, pois, grata ao destino por haver-me permitido presenciar este tributo a Renato Andrade, cuja viola, como a vida, é simples e grandiosa, bela e encantadora como um verso de amores que se recita ao coração.

 


sábado, 2 de novembro de 2024

No Dia dos Que Partiram, Flores e Gratidão


Hoje é Dia de Finados, e o coração se veste de memória e gratidão. É dia de lembrar, de agradecer àqueles que abriram os caminhos que percorremos agora, mais leves e mais amplos. Graças a esses passos passados, tenho uma vida que me chega com o perfume do esforço de quem me precedeu. E é com reverência que sigo até o cemitério municipal, onde a missa ecoa entre os túmulos floridos. As flores espalhadas entre as lápides me emocionam, um gesto tão simples e tão imenso: levamos flores aos que amamos. Elas ficam lá, como um abraço em nossa ausência, a beleza persistindo onde a presença já se foi.

Durante a missa, o celebrante comentou sobre o ato de ofertar flores. "Oferecemos flores a quem amamos", disse ele, com um olhar compassivo, como quem traduz para o coração o que as palavras nem sempre alcançam. E, ainda que nossos entes queridos tenham voltado à casa do Pai, as flores permanecem como mensageiras de nosso amor.

Em um instante de rara sensibilidade, o padre compartilhou uma tradição tocante. Lembrou-se de um sacerdote que, em missas de corpo presente ou no sétimo dia, pedia que todos rezassem uma Ave-Maria por aqueles que ainda iriam partir. O sentido da prece pairou no ar, como um convite à reflexão sobre nossa própria mortalidade, mas também como um alento, uma oração em compasso com o mistério da vida. No fim, rezamos juntos, cada um com suas intenções – pedi vida longa e saúde, silenciosa e serena em meio àquelas preces.

A caminhada entre as lápides me trouxe ainda uma surpresa gentil: o Grupo Zelo, que cuida de velórios e despedidas, havia deixado uma acolhida singela – café, chá, suco, biscoitos em saquinhos delicados, um terço e uma vela, todos embalados com carinho, quase um gesto de mãos dadas com nossa dor. Era mais do que uma simples oferta; era um cuidado, um carinho inesperado que aquecia o coração num dia frio de saudades. E no cartão que acompanhava o presente, uma frase tão simples e verdadeira: “Que as lembranças daqueles que amamos permaneçam sempre vivas, inspirando nossos corações e iluminando nossos caminhos.”

Saí dali com uma paz rara, consciente de que o amor que dedicamos aos que partiram reverbera em nós, feito eco de um amor que nunca se apaga, mesmo nas horas de despedida.

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

A nora desonesta

 

Era uma vez, numa pequena cidade chamada Vila Esperança, um senhor chamado Seu Joaquim. Ele era um homem idoso, muito querido por todos, e vivia tranquilamente em sua casinha rodeada de árvores frutíferas. Seu Joaquim, que já tinha trabalhado a vida inteira, guardava suas economias com muito carinho, pensando em viver seus últimos anos com tranquilidade.

Seu Joaquim tinha um filho, Carlos, que era casado com uma moça chamada Isabel. Isabel, sempre muito ambiciosa, sonhava em abrir uma loja de roupas e, especialmente, uma loja de lingerie. Ela acreditava que esse negócio a tornaria muito rica e famosa. Carlos, que trabalhava como mecânico, apoiava os sonhos da esposa, mas sabia que eles não tinham dinheiro suficiente para abrir a loja.

Um dia, Isabel teve uma ideia desonesta. Ela sabia que Seu Joaquim guardava suas economias em um cofre, no quarto. Sempre que visitava o sogro, Isabel aproveitava a distração dele e, pouco a pouco, começou a pegar pequenas quantias de dinheiro, acreditando que ele nem perceberia. A cada semana, Isabel tirava mais e mais, até conseguir o suficiente para abrir sua tão sonhada loja de lingerie.

A loja abriu com grande entusiasmo. Isabel decorou o espaço com cores vibrantes e belas vitrines. No início, as pessoas da cidade visitavam, curiosas para ver o novo negócio. Mas logo Isabel percebeu que administrar uma loja não era tão fácil quanto imaginava. Ela não sabia controlar as despesas, pagava fornecedores errados e acabava perdendo clientes por falta de organização.

Enquanto isso, Seu Joaquim começou a notar que suas economias estavam sumindo. Ele não sabia o que estava acontecendo, mas confiava que sua família cuidaria bem dele, então ficou em silêncio. Infelizmente, ele adoeceu gravemente e, alguns meses depois, faleceu, deixando todos muito tristes.

Após a morte de Seu Joaquim, Isabel continuou com a loja, mas sem o dinheiro furtado, ela não conseguiu manter o negócio de pé. Logo as dívidas se acumularam e a loja faliu. Isabel ficou arrasada, não só por perder o que tanto desejava, mas também por carregar o peso de sua desonestidade. A culpa a seguia como uma sombra, e ela sabia que havia cometido um grande erro.

Carlos, que sempre fora honesto e trabalhador, ficou desapontado ao descobrir o que Isabel havia feito. Ele explicou para ela que o caminho da desonestidade nunca traz bons frutos, e que construir algo com base em mentiras e roubos só leva à tristeza e ao fracasso.

Isabel aprendeu uma lição muito valiosa. Ela entendeu que, se tivesse pedido ajuda ao sogro ou trabalhado duro para economizar, teria conquistado seus sonhos de forma honesta. Ela passou a se dedicar a causas que ajudavam idosos e a ensinar outras pessoas sobre a importância da honestidade.

E assim, a história de Isabel e Seu Joaquim serviu de exemplo para todos em Vila Esperança. Afinal, como dizia Seu Joaquim: “O que vem fácil, vai fácil. Mas o que é construído com honestidade e trabalho, permanece para sempre.”